terça-feira, 11 de agosto de 2015

Estilistas na fase oral 12: fim dos tempos

Não precisa ficar alarmado! "Fim dos tempos" refere-se tão somente ao final de nossa (quase) interminável jornada, pois o mundo da música clássica, apesar das recorrentes notícias sobre sua morte, ainda não dá sinais de que está acabando: a quantidade de compositores ainda em atividade é alarmante, e, se a música clássica chegar a morrer, será por excesso, e não pela falta!

Da Argentina ao Canadá, de Portugal ao Japão, há tantos, tantos, mas TANTOS compositores em atividade que é humanamente impossível conhecer um zilhonésimo deles! Além disso, a música erudita é, para o grosso da população, tão instigante quanto a Teoria das Cordas: descontando-se os malucos de plantão, o interesse despertado por ambas beira o 0,0000000001%. Ou vai me dizer que você já ouviu falar em Lauri Toivio?


Duvido que muita gente, fora da Finlândia, o conheça, assim como duvido que muita gente conheça Ivan Tcherepnin, apesar de ele ter sido, por várias décadas, professor de música eletrônica em Harvard e, portanto, com mais oportunidades de divulgar seu trabalho:


Se mesmo um compositor de Harvard não tem muita circulação entre os ouvintes, imagina alguém como Eunice Katunda, uma brasileira que, apesar de ter sido professora da Universidade de Brasília e do Conservatório do Rio de Janeiro, e uma das pioneiras da música dodecafônica no Brasil, nem o YouTube conhece!

A música erudita continua viva, mas seus ouvintes, sinto informar, estão desaparecendo, e se restringem a pequenos grupos locais que continuam a prestigiar as esporádicas apresentações em Hamburgo, Colônia, Nova York, e nos festivais do IRCAM. Corrijo-me, portanto: se a música clássica um dia finalmente morrer, não será por falta de compositores, mas sim pela falta de ouvintes. 

Se bem que isso pode ser apenas um exercício fútil em futurologia... Talvez daqui a 200 anos, depois que a peneira da história passar, sobre umas duas dúzias de compositores que continuarão (ou começarão) a ser tão ouvidos quanto Stravinsky, pelo menos. Quem viver, ouvirá!

Enquanto a peneira não passa, sobrou para mim fazer a seleção. Comecemos, portanto, pelos "famosos", como o americano John Adams e sua On the Transmigration of Souls, de 2002:


Mais famoso é o inglês Michael Nyman, graças às inúmeras trilhas sonoras de filmes (O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante, O Piano, Gattaca, Fim de Caso, etc). Sua música, assim como a de Kurt Weill, habita a fronteira entre o popular e o erudito, e um de seus ciclos de canções (Six Celan Songs - a partir de poemas de Paul Celan) foi composto e dedicado a Uter Lemper, ela própria moradora dessa zona nebulosa (e "especialista" em Kurt Weill). Aqui apenas a canção número 3, Psalm:


Vou fugir um pouco do assunto e colocar uma das canções mais famosas do Kurt Weill, "Die Moritat von Mackie Messer", da Ópera dos Três Vintêns, só porque eu e todo mundo a adoramos:



Und der Haifisch, der hat Zähne
Und der trägt er im Gesicht,
Und Macheath, der hat ein Messer
Doch das Messer sieht man nicht.

An 'nem schönen blauen Sonntag
Liegt ein toter Mann am Strand,
Und ein Mensch geht um die Ecke
Den man Mackie Messer nennt.

Und Schmul Meier bleibt verschwunden
Wie so mancher reiche Mann
Und sein Geld hat Mackie Messer
Dem man nichts beweisen kann.

Jenny Towler ward gefunden
Mit 'nem Messer in der Brust,
Und am Kai geht Mackie Messer
Der von allem nichts gewußt.

Und das große Feuer in Soho
Sieben Kinder und ein Greis -
In der Menge Mackie Messer, den
Man nicht fragt und der nichts weiß.

Und die minderjährige Witwe
Derer Namen jeder weiß,
Wachte auf und war geschändet -
Mackie, welches war dein Presis?

Denn die einen sind im Dunkeln
Und die andern sind im Licht
Und man sieht die im Lichte
Die im Dunkeln sieht man nicht.


Adoro! Ninguém que ouve essa música sem entender a letra imagina que é uma "Balada a um Assassino": estrofes e mais estrofes descrevendo os crimes de Mackie Messer, que continua impune... (Se alguém quiser providenciar uma tradução do original alemão, mais fiel que as versões em português e inglês que circulam pela Internet, agradeço!).

Mas voltemos aos "fins dos tempos", ouvindo a finlandesa Kaija Saariaho e sua La Passion de Simone, de 2006, baseada na vida e escritos da francesa Simone Weil:


Outro "famoso" é o holandês Luis Andriessen, outro que costuma trabalhar em parceria com Peter Greenaway, como no curta-metragem M is for Man, Music, Mozart, de 1991:


Também dessa época (1992) é Three Heavens and Hells, da americana Meredith Monk, que eu adoro!:







Outro compositor com longa carreira no cinema é o japonês Ryuichi Sakamoto, responsável pela música de O Último Imperador, O Pequeno BudaLove Is the Devil: Study for a Portrait of Francis Bacon, e muitos outros, além de compor trilhas sonoras para videogames (como Seven Samurai 20XX, para o PlayStation 2). Aqui, um clip de Love Is... :


Muitos compositores atuais - como ja deu para notar - costumam trabalhar com cineastas, mas a Meredith (que, além de compositora, é também cantora, coreógrafa, bailarina e, nas horas vagas, astronauta, costureira e estivadora) deu um passo adiante e resolveu incluir mais uma atividade em seu curriculum, escrevendo e dirigindo o filme Book of Days, além de compor sua trilha sonora:


(Antes havia o filme completo no YouTube, mas sumiu...)

De 1998 é En Écho, do francês Philippe Manoury, para soprano e aparelhos eletrônicos, sobre poemas de Emmanuel Hocquart. Aqui só a primeira canção (são 7, no total), "La Rivière":


la rivière coule sous le feuillage
dégrafe ma robe
dessous regarde je suis nue
porte moi dans cette eau
retourne-moi
glisse ta main
visite mes hanches et ma toison
suis les mouvements de mon ventre
tu emprisonnes mes poignets
tire tire
par tous les os
les bras et les jambes
viens là maintenant
tire doucement ma tête en arrière
caresse-moi
ne t'arrête plus
oui tout vient
tous les parfums de la rivière
regarde-moi
regarde ta Lolita
liée à la taille par l'eau

Recém saída do forno (de 2007, e uma das 1.000 coisas que eu ainda tenho que ver ao vivo), temos a ópera Passion, do francês Pascal Dusapin. Só encontrei pequenos trechos espalhados pelo YT, infelizmente:





De 2008, O Livro do Desassossego, a partir da obra de mesmo nome de Fernando Pessoa, é mais outra obra de um compositor multimidiático, o holandês Michel van der Aa. Aqui, apenas um trecho:




E chega, por hoje! Há música demais no século XXI, e vou precisar gastar longos meses para ouvir coisas novas e decidir o que, na minha opinião, merece aparecer por aqui! Também já ouvimos, em past posts, compositores como Pierre Boulez, Gyorgy Ligeti, Sofia Gubaidulina, Gloria Coates, todos eles ainda em atividade neste início de século, então acho que está de bom tamanho!

Quem quiser futucar por conta própria pode partir desta lista AQUI e garantir meses de diversão, pendurado no YouTube!