Poizé... no past post só ouvimos desgraças, e ficou parecendo que nas décadas de 60 e 70 só havia música "hecatombística". Claro que não é assim, e hoje vamos ouvir obras que não mostram um total descrédito com a raça humana, mesmo quando não são exatamente "felizes". Será também mais uma oportunidade de conhecermos coisas novas (espero!).
O Século XX, como eu já disse, é um ilustre desconhecido da maioria dos ouvintes da música clássica, e quase qualquer coisa que eu colocar aqui será novidade para muita gente - até mesmo para mim, claro, pois a profusão de compositores (no século passado e neste) é tamanha que tornou-se humanamente impossível tentar seguir o que acontece no reino musical. Além do mais, estamos muito próximos dela, cronologicamente falando, e não houve tempo hábil para descobrirmos o que sobreviverá ou não dessa profusão dantesca de música... Aliás, tá aí uma boa ideia para um post, quem sabe: Dante!
Mas ninguém está aqui para me ouvir divagar (divagar, quase parando...), e vamos partir logo para musiquinhas. Para o choque não ser muito extremo (depois das hecatombes que ouvimos recentemente), vamos ouvir o mexicano Carlos Chávez, e sua pequena Nonatzin, de 1972, para coro a capella, sobre um poema em língua asteca (nahuatl):
motlecuilpan nech xi xi collides nopampa ompa touches.
No Tonantzin, here mitz tlahtaniz intla tlecan hits you, xic ilhui:
"Xo-xohqui Zenca cuahuitl huanin pohtli nech chohtia"
Mi madrecita, cuando vayas a hacer tus tortillas,
allá entiérrame en tu hogar y allá llora por mí.
Madrecita, si alguien te pregunta por qué lloras, dile:
"Que la leña está verde y el humo me hace llorar."
Mais ou menos da mesma época (1965), e também para coro a capella, temos o Easter Chorale, do americano Samuel Barber, um dos compositores menos "problemáticos" do Século XX:
Across the air the birds ignite
Like sparks to take this blaze of day
Through all the precincts of the night.
Alleluia! Alleluia!
The fires of dawn refresh our eyes.
We watch the world grow wide and bright
And praise our newly risen Light.
The winter land receives the year.
Her smallest creatures rouse and cling
To swelling roots and buds that stir
The restless air to reel and ring!
Alleluia! Alleluia!
The sounds of waking fill our ears.
We listen to the live earth sing
And praiseour loving Source and Spring.
Já que vimos um dos menos problemáticos, vamos para o outro extremo, com Pierre Boulez e seu Cummings ist der Dichter, de 1970, sobre um poema sem título do E. E. Cummings que começa com o verso "birds) inventing air" - com parênteses, mesmo - mas cujo texto não encontrei em canto algum:
Completamente diferente (mas completamente "doidinho"), que tal o Recital I (for Cathy), do Luciano Berio, uma cena teatral na qual uma cantora tenta apresentar um recital, que consiste, em grande parte, em colagens de trechos musicais que vão de Monteverdi ao próprio Berio, passando por Bach, Ravel, de Falla, Bizet, Schubert, etc, etc, etc:
Também do Luciano Berio, uma coleção de canções folclóricas (nem todas - algumas delas têm autor certo e conhecido) de diversos países, Folk Songs, de 1966. Lindíssimas!:
Estas são as canções:
1. Black is the colour 0.00-3.20
E os textos podem ser encontrados AQUI, mas nem todos tem tradução...
Uma das mais famosas obras desse período (décadas de 60 e 70) é a Music for 18 Musicians, de 1976, do americano Steve Reich. Adoro! Não é exatamente "música vocal", mas as vozes estão lá, trabalhando em pé de igualdade com os instrumentos. Parece música eletrônica feita com instrumentos acústicos:
Estas são as canções:
1. Black is the colour 0.00-3.20
2. I wonder as I wander 3.23-5.20
3. Loosin yelav 5.22-8.16
4. Rossignolet du bois 8.19-9.56
5. A la
femminisca 9.58-11.31
6. La
donna ideale 11.33-12.53
7. Ballo
12.55-14.27
8.
Motettu de tristura 14.31-17.13
9.
Malorous qu'o uno fenno 17.19-18.16
10. Lo
fïolaire 18.19-21.12
11.
Azerbaijan love song 21.12-23.40
E os textos podem ser encontrados AQUI, mas nem todos tem tradução...
Uma das mais famosas obras desse período (décadas de 60 e 70) é a Music for 18 Musicians, de 1976, do americano Steve Reich. Adoro! Não é exatamente "música vocal", mas as vozes estão lá, trabalhando em pé de igualdade com os instrumentos. Parece música eletrônica feita com instrumentos acústicos:
Também da mesma época temos "Canto General: In Memorian Salvador Allende, para piano, violino e soprano, do holandês Peter Schat, sobre um poema de Pablo Neruda:
Sube a nacer conmigo, hermano.
Dame la mano desde la profunda
zona de tu dolor diseminado.
No volverás del fondo de las rocas.
No volverás del tiempo subterráneo.
No volverá tu voz endurecida.
No volverán tus ojos taladrados.
zona de tu dolor diseminado.
No volverás del fondo de las rocas.
No volverás del tiempo subterráneo.
No volverá tu voz endurecida.
No volverán tus ojos taladrados.
Mírame desde el fondo de la tierra,
labrador, tejedor, pastor callado:
domador de guanacos tutelares:
albañil del andamio desafiado:
aguador de las lágrimas andinas:
joyero de los dedos machacados:
agricultor temblando en la semilla:
alfarero en tu greda derramado:
traed a la copa de esta nueva vida
vuestros viejos dolores enterrados.
Mostradme vuestra sangre y vuestro surco,
decidme: aquí fui castigado,
porque la joya no brilló o la tierra
no entregó a tiempo la piedra o el grano:
señaladme la piedra en que caísteis
y la madera en que os crucificaron,
encendedme los viejos pedernales,
las viejas lámparas, los látigos pegados
a través de los siglos en las llagas
y las hachas de brillo ensangrentado.
Yo vengo a hablar por vuestra boca muerta.
A través de la tierra juntad todos
los silenciosos labios derramados
y desde el fondo habladme toda esta larga noche
como si yo estuviera con vosotros anclado,
contadme todo, cadena a cadena,
eslabón a eslabón, y paso a paso,
afilad los cuchillos que guardasteis,
ponedlos en mi pecho y en mi mano,
como un río de rayos amarillos,
como un río de tigres enterrados,
y dejadme llorar, horas, días, años,
edades ciegas, siglos estelares.
Dadme el silencio, el agua, la esperanza.
Dadme la lucha, el hierro, los volcanes.
Apegadme los cuerpos como imanes.
Acudid a mis venas y a mi boca.
Hablad por mis palabras y mi sangre.
labrador, tejedor, pastor callado:
domador de guanacos tutelares:
albañil del andamio desafiado:
aguador de las lágrimas andinas:
joyero de los dedos machacados:
agricultor temblando en la semilla:
alfarero en tu greda derramado:
traed a la copa de esta nueva vida
vuestros viejos dolores enterrados.
Mostradme vuestra sangre y vuestro surco,
decidme: aquí fui castigado,
porque la joya no brilló o la tierra
no entregó a tiempo la piedra o el grano:
señaladme la piedra en que caísteis
y la madera en que os crucificaron,
encendedme los viejos pedernales,
las viejas lámparas, los látigos pegados
a través de los siglos en las llagas
y las hachas de brillo ensangrentado.
Yo vengo a hablar por vuestra boca muerta.
A través de la tierra juntad todos
los silenciosos labios derramados
y desde el fondo habladme toda esta larga noche
como si yo estuviera con vosotros anclado,
contadme todo, cadena a cadena,
eslabón a eslabón, y paso a paso,
afilad los cuchillos que guardasteis,
ponedlos en mi pecho y en mi mano,
como un río de rayos amarillos,
como un río de tigres enterrados,
y dejadme llorar, horas, días, años,
edades ciegas, siglos estelares.
Dadme el silencio, el agua, la esperanza.
Dadme la lucha, el hierro, los volcanes.
Apegadme los cuerpos como imanes.
Acudid a mis venas y a mi boca.
Hablad por mis palabras y mi sangre.
E que tal a paródia de "Ticket to Ride" (dos Beatles), composta por um outro holandês, Louis Andriessen, em 1966?:
Para terminarmos com brasileiros, vamos ouvir Yanomami, de 1980, para coro e guitarra, do Marlos Nobre:
E, da mesma época (1979), com o mesmo "assunto", Série Xavante, de César Guerra-Peixe:
E ainda mais outro brasileiro, Cláudio Santoro, só porque eu gosto de suas canções desse período. Entre muitas, vamos ouvir apenas duas, ambas sobre poemas do Vinícius de Moraes. Primeiro, "Ouve o Silêncio":
Cala, ouve o Silêncio.
Ouve o silêncio que nos fala tristemente
desse amor que não podemos ter.
Não fala, fala baixinho,
diz bem de leve um segredo
um verso de esperança em nosso amor.
Não oh, meu amor!
Canta a beleza de viver!
saúda o sol e a alegria de amar
em nossa grande solidão...
E "Amor em Lágrimas":
Ouve o mar que soluça na solidão
Ouve, amor, o mar que soluça
Na mais triste solidão.
E ouve, amor, os ventos que voltam
Dos espaços que ninguém sabe
Sobre as ondas se debruçam
E soluçam de paixão.
E ouve, amor, no fundo da noite
Como as árvores ao vento
Num lamento se debruçam
E soluçam para o chão.
Deixa amor que um corpo sedento
Como as árvores e o vento
No teu corpo se debruce
E soluce de paixão.
Agora que recuperamos um pouco a esperança na humanidade, estamos prontos para enfrentarmos o último capítulo da série, no próximo post!
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