Antes que me joguem pedras: o título Subgênios é ironia, ok? E, antes que eu me esqueça, subgênio é muito feio... prefiro sub-gênio...
Fryderyk Franciszek Chopin (1810-1849) foi um dos grandes compostores da música clássica ocidental (como se eu precisasse dizer...). TODO mundo conhece Chopin! Não importa se você é "contra" ou " a favor" mas, que você conhece, conhece, não tem como escapar!
O público e os pianistas (claro) adoram Chopin! Mas apenas o público e os pianistas, pois sua música sempre sofreu, na minha opinião, discriminação pelos demais músicos. O "problema" é que Chopin sempre foi, antes de tudo, pianista, e sua incapacidade de escrever para outros instrumentos faz com que seja considerado um compositor menor, um subgênio (eca! ó isso aqui de novo!). Preconceito puro, eu acho. Se ele houvesse escrito uma sinfonia, um concerto para violino, ou ao menos um concerto para
tuba, aposto que sua reputação entre os demais músicos seria completamente diferente.
Pois ele foi um gênio. Sua competência, nas formas musicais que usou, é impressionante. Não escreveu sinfonia, nem um concerto para violino (nem para tuba), mas competência não significa saber fazer TUDO. Competência também significa, para mim, saber aquilo que é capaz de fazer e, dentro dessa limitação, fazer o melhor possível. Nisso Chopin é insuperável, e tudo aquilo em que ele botou a mão adquiriu uma personalidade tão forte como a sua própria.
Não é à toa que seus Noturnos praticamente bastam para suprir todo o repertório de noturnos, deixando em segundo plano compositores anteriores (o irlandês John Field - de onde Chopin tirou a ideia de noturno) e posteriores (como os franceses Gabriel Fauré e Francis Poulenc). O mesmo acontece com seus:
- Scherzos (não é invenção dele, claro, mas ele é quem teve a ideia de "desgrudar" o scherzo da sinfonia e sonata e torná-lo uma peça independente);
- Estudos (a concepção de estudo de concerto - peças de estudo que podem ser apresentadas em concerto, devido à qualidade musical - também não é de Chopin, mas seus Études são os primeiros que fincaram pé no repertório - e provavelmente não sairão dali tão cedo);
- Polonaises, mazurkas (também não as inventou, mas as tirou do nicho da música folclórica polonesa e as jogou no mundo) e valsas;
- Prelúdios (obviamente já exitiam prelúdios, mas em seu ciclo de 24 prelúdios realiza uma das ambições da música Romântica: o ciclo de fragmentos musicais dependentes/independentes - um dia eu falo disso, talvez);
- Baladas (a balada instrumental é invenção dele - antes disso, balada se referia à poesia narrativa, que podia ou não ser musicada, mas nunca puramente instrumental).
Não é uma lista muito grande, mas eu me contentaria se fosse a minha lista de composições! Tudo (quase tudo) que ele fazia ficou mais difícil de ser feito, depois. Descontando os prelúdios (em que o Bach aparece em primeiro lugar, com seus prelúdios e fugas), é praticamente impossível pensar no resto sem pensar em Chopin antes de qualquer outro compositor.
Uma de suas características marcantes é a preferência pelas formas curtas (todas essas acima são dessa categoria). Nessas, não tem pra mais ninguém! Nas formas instrumentais longas - sinfonia, concerto, sonata - Chopin não se sentia tão à vontade, e em muitas de suas composições nessas formas (à exceção da sinfonia, que ele nunca nem se deu ao trabalho de tentar) a marca que ele deixou não é tão relevante. Mas isso é perfeitamente "entendível": depois de Haydn, Mozart, Beethoven, ficou difícil competir em qualquer uma dessas categorias longas: todo mundo, em maior ou menor grau, depois da "Santíssima Trindade" da música clássica vienense, teve inúmeros problemas quando se aventuraram nesse grandes formas, pois a herança dos três assombrou o século XIX inteiro. Mas nas formas curtas Chopin é o mestre de todos!
Só para ilustrar o que considero marcas indeléveis de Chopin:
O Noturno em si bemol maior, de John Field:
(Chopin teve um bom "professor"... bem bonito o Noturno, né?)
E o Noturno nº 1, em si bemol menor, de Chopin:
(Mas convenhamos... o "aluno" se saiu melhor!)
Estudo nº 42, em fá maior, da coleção Gradus ad Parnassum, do Clementi:
(Não dá para reclamar que é feio...)
E o Estudo Op. 10, nº 8, também em fá maior, do Chopin:
(Reclama-se menos ainda!)
Polonaise Op. 40, nº 2, em dó menor, do Chopin (não tem muito com quem comparar...):
Valsa Op. 64, nº 2, em dó sustenido menor:
Quem só ouve os Noturnos de Chopin, ou ouve sempre as mesmas coisas, mais "populares", de sua música, acha que tudo é sempre igual, sempre "romântico", no sentido pejorativo do termo (apesar de eu duvidar que, depois de ouvir o Prelúdio Op. 29, nº 4, em mi menor, alguém ainda ache que seu "romantismo" é um ponto negativo):
Mas Chopin é muito mais que isso! Há um lado fantasmagórico/tenebroso em sua música que é relativamente menos conhecido, mas tão característico quanto seu "romantismo", como no Scherzo nº 1, Op. 20, em si menor:
(Nesse caso, o lado fantasmagórico/tenebroso é contrabalançado pelo trecho central do Scherzo, de um modo um tanto quanto "bipolar", eu acho)
Muito mais totalmente fantasmagórico é o último movimento da Sonata para piano nº 2, Op. 20, em si bemol menor:
Ainda mais se considerarmos que o trecho acima vem após isso aqui:
Até nessa sonata Chopin consegue, de certo modo, competir com o mestre Beethoven: quem é pensa em Marcha Fúnebre e se lembra primeiro da Sonata nº 12, Op. 26, em lá bemol maior, do Beetho?:
(Lindo também, sem dúvida!)
Mas, continuando com Chopin, que tal a "fantasmagorice" do Prelúdio Op. 28, nº 2, em lá menor?:
Ou o desespero/fatalismo do último prelúdio da série, o nº 24, em ré menor?:
(Tranquem as janelas e joguem as chaves fora!)
Ou o último de todos, o Estudo Op. 25, nº 12, em dó menor:
(Aqui Chopin consegue dar um ar quase beethoveniano ao final, com sua mudança para dó maior - lembra-me a Sinfonia nº 5, também em dó menor, do Ludwig van, onde a tragédia do dó menor é aliviada pelo final em dó maior)
Chega a ser estranho, chamar essas peças de estudos... é como chamar de estudos os desenhos do Da Vinci (tá bom... tecnicamente são estudos - em sentidos completamente diferentes, apesar do termo igual - mas são muito mais que isso!).:
(Estudos para dois soldados da Batalha de Anghiari - Museu de Belas Artes de Budapeste)
Por falar nos Études, essas obras de Chopin estão entre os picos mais elevados da virtuosidade pianística (além de serem lindos!). Se você conseguir tocá-los bem, (quase) não precisa estudar mais nada, nunca mais, jamais, para todo o sempre, até o fim da eternidade! Depois de tocar a sequência dos 24 Estudos, o resto (quase) todo é "bico"! Talvez fique faltando um pouco de "estudo" para enfrentar alguns dos estudos do Liszt, como o nº 12 dos Estudos Transcendentais, "Chasse-neige",
Um pouco de prática a mais também seria conveniente, se um dia você quiser se aventurar pelos estudos do Ligeti, como esse aqui, o nº 10, "Der Zauberlehrling":
Mas nem tudo é pirotecnia em se tratando de estudos. Outras dificuldades (expressão, sonoridade) também são exploradas, como no maravilhoso Estudo Op. 10, nº 6, em mi bemol menor, do Chopin (voltamos pra ele):
Não preciso nem falar (mas vou) de "Tristesse", que ninguém no mundo (salvo quem já sabe, claro) imagina que seja um estudo:
E, para terminar, uma amostrinha da "falta de competência" de Chopin nas formas grandes - nesse caso, o 2º movimento do Concerto para piano e orquestra nº 2, Op. 21, em fá menor, composto quando ele tinha a idade "madura" de 19 anos:
(Mesmo quando Chopin "erra", ele acerta!!!)
Bom... acho que já deu para dar uma ideia de quem foi Chopin. Melhor dizendo, uma ideia daquilo que sua música representa. Quanto ao homem Chopin, uma das melhores definições, pra mim, é aquela de um dos comentários do Youtube, para o vídeo acima da Valsa Op. 64 nº2:
"Chopin was not a god. He was just a man, and that is what makes him even more divine."