sexta-feira, 19 de julho de 2013

Au milieu de l'azur, des vagues, des splendeurs...

Em 1848 nasce Henri Duparc; na década de 1860 ele destrói todas as composições que havia feito até então; aos 19 anos compõe sua primeira peça "séria"; a Sonata para piano e violoncelo; serve na Guerra Franco-Prussiana (1870-71); casa-se em 1871 e torna-se amigo de Fauré, Chausson, Chabrier, Saint-Säens; em 1878 cria os Concerts de musique moderne, para divulgar obras de compositores da época; destrói a suíte de valsas para orquestra Laendler em 1873; em 1885 é diagnosticado com "neurastenia" e resolve parar de compor para se dedicar à família e à pintura; destrói a canção "Recueillement" em 1886; destrói sua ópera inacabada, Roussalka, em 1895; fica cego em 1916; recolhe-se em 1919 a Mont-de-Marsan, onde vive recluso devido a uma paralisia; falece em 1933, aos 85 anos de idade...

(Duparc durante a Guerra)

Algumas coisas no mundo não são muito fáceis de se entender. Ainda mais difícil é entender como Duparc - cujas obras instrumentais foram praticamente esquecidas - conseguiu ser um dos grandes compositores de canções da França do século XIX. Dezessete canções, ao todo, é o que resta de vivo de sua música; mas é o suficiente, e continuará vivo enquanto alguém ainda cantar neste mundo. 

Entre suas primeiras canções para piano e voz, "Lamento" e "Chanson Triste", ambas de 1868 - quando Duparc tinha 20 anos, e "La Vie antérieure", a última, de 1876, não dá para distinguir nenhuma evolução na qualidade de sua música. O estilo muda um pouco, parece que torna-se mais profundo, mais "extraterrenamente" apropriado aos poemas.

Lembra-me de Schubert, que também aos 20 anos já sabia tudo sobre lied (canção alemã), como em sua famosa "A Morte e a Donzela":

Vorüber! Ach, vorüber!
Geh, wilder Knochenmann!
Ich bin noch jung! Geh, lieber,
Und rühre mich nicht an.

Gib deine Hand, du schön und zart Gebild!
Bin Freund, und komme nicht, zu strafen.
Sei gutes Muts! ich bin nicht wild,
Sollst sanft in meinen Armen schlafen!

E, em português:

Afaste-se! Ah, afaste-se!
Vá, feroz homem de ossos!
Anda sou jovem! Vá,
E não me toque.

Dê-me sua mão, bela e delicada forma!
Sou amigo, e não venho para punir.
Seja corajosa! Eu não sou feroz,
Tranquilamente você dormirá em meus braços!


Lembro-me de Schubert também quando sinto que nunca mais serei capaz de ler, ver, pensar em qualquer dos poemas musicados por Duparc sem ouvir a música que os acompanha. Quem é que consegue imaginar o poema "An die Musik", do Franz Schober, sem pensar na música do Franz Schubert?:

Oh, bela Arte, que em muitas horas cinzentas,
Quando as penuras da vida me cercam,
Aqueceu-me o coração com seu amor,
E levou-me a um mundo melhor!

Um suspiro exaladado por sua harpa,
Um doce e abençado acorde seu,
Abrem-me um céu de dias melhores;
Oh, querida Arte, por tudo isso eu te agradeço!


A mesma coisa ocorre desde o início, com Duparc:


Tudo encaixa, tudo parece apropriado. Não tem nada sobrando, não tem nada faltando, não há nota alguma que possa ser melhorada ou pensada diferente... Essa precisão apenas vai ficando cada vez mais nítida, conforme Duparc vai amadurecendo, como é mais do que claro em "L'Invitation au voyage", do Baudelaire. Amadurecendo é maneira de dizer, pois Duparc tinha à época 22 anos de idade!:

Mon enfant, ma soeur,
Songe á la doucer
D'aller là-bas vivre ensemble,
Aimer à loisir
Aimer et mourir
Au pays que te ressemble.
Les soleils mouillés
De ces ciels brouillés
Pou mon espritont les charmes
Si mystérieux
De tes traîtes yeux,
Brillant à travers leurs larmes.
Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Des meubles luisants,
Polis par les ans,
Décoreraient notre chambre,
Les plus rares fleurs
Mêlant leurs odeurs
Aux vagues senteurs de l'ambre
Les riches plafonds,
Les miroirs profonds,
La splendeur orientale
Tout y parlerait
À l'âme en secret
Sa douce langue natale.
Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.

Vois sur ces canaux
Dormir ces vaisseaux
Dont l'humeur est vagabonde;
C'est pour assouvir
Ton moindre désir
Qu'ils viennent du bout du monde.
Les soleils couchants
Revêtent les champs,
Les canaux, la ville entière,
D'hyacinthe et d'or;
Le monde s'endort
Dans une chaude lumière!
Là, tout n'est qu'ordre et beauté,
Luxe, calme et volupté.


Ou aos 24 anos, com "Phidylé":


Ou "Elégie", aos 26 anos, a partir da versão em francês de um poema de Thomas Moore:


Oh! ne murmurez pas son nom! Qu'il dorme dans l'ombre,
Où froide et sans honneur repose sa dépouille.
Muettes, tristes, glacées, tombent nos larmes,
Comme la rosée de la nuit, qui sur sa tête humecte la gazon;

Mais la rosée de la nuit, bien qu'elle pleure en silence,
Fera briller la verdure sur sa couche
Et nos larmes, en secret répandues,
Conserveront sa mémoire fraîche et verte dans nos coeurs.


Até chegar a "La Vie anterieure", sua última canção, aos 28 anos, novamente sobre um poema de Baudelaire. Após esta canção Duparc não compôs praticamente nada, e quando voltava à música era basicamente para orquestrar obras antigas:

J'ai longtemps habité sous de vastes portues 
Que les soleils marins teignaient de mille feux, 
Et que leurs grands piliers, droits et majestueux, 
Rendaient pareils, le soir, aux grottes basaltiques. 

Les houles, en roulant les images des cieux, 
Mêlaient d'une façon solennelle et mystique 
Les tout puissants accords de leur riche musique 
Aux couleurs du couchant reflété par mes yeux... 

C'est là, c'est là que j'ai vécu dans les voluptés calmes 
Au milieu de l'azur, des vagues, des splendeurs, 
Et des esclaves nus tout imprégnés d'odeurs 

Qui me rafraîchissaient le front avec des palmes, 
Et dont l'unique soin était d'approfondir 
Le secret douloureux qui me faisait languir.


Acompanhando-o, desde "Chanson triste" - com seu "Mon triste cœur et mes pensées" - até "Le secret douloureux qui me faisait languir" de sua última canção, dá para entender o quanto Duparc era velho, desde sempre, só esperando o tempo passar para poder ir embora daqui...

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