sexta-feira, 19 de julho de 2013

Voltemos ao Monteverdi?

Depois de ouvirmos os nove livros de madrigais, aposto que já sabemos tudo sobre ele, não????

Errado! Os madrigais, para o Monte, eram mais ou menos como as sonatas para piano, para o Beethoven - muitas são maravilhosas, outros são menos, outras são claramente experiências feitas pensando em uso posterior em sinfonias e/ou quartetos. Da mesma maneira, Monteverdi via seus madrigais como "meios", e não como "fins". Como eu disse, eles são o campo onde a expressividade e o controle da harmonia são colocados à prova, testados, avaliados, e depois usados em obras maiores.

Não é à toa que a primeira ópera de Monteverdi, L'Orfeo, é de 1607, dez anos após a primeira "tentativa" de Jacopo Peri, com sua Dafne, e sete anos após o mesmo Peri e Giulio Caccini haverem composto suas Euridice, as primeiras óperas baseada no mito de Orfeu. Com certeza Monte adorou a ideia da ópera mas, ao invés de sair desesperado e escrever logo sua primeira, ele preferiu continuar trabalhando em seu quinto livro de madrigais, até se sentir apto a enfrentar essa nova forma musical. A espera valeu a pena, e L'Orfeo é considerado como a primeira obra-prima da ópera.

Quer tirar a prova??? Vamos ouvir uma ária de Caccini (de Euridice) e outra do Monteverdi (de L'Orfeo), de passagens mais ou menos correspondentes (Orfeu no Inferno). Talvez ambas pareçam estranhas - afinal, são as primeiras óperas que sobreviveram, e o estilo realmente é muito diferente daquele com o qual estamos acostumados atualmente, mas creio que dará para notar a diferença entre os dois:

(Caccini)

E a do Monteverdi:


Há outros vídeos da mesma ária, mas esse é, na minha opinião, o melhor. E, para aproveitar que já estamos tratando do Orfeo, vamos ouvir também a Abertura:


Eu nem queria falar de suas óperas Dafne, L'Orfeo & Cia... Minha intenção, na verdade, era falar sobre outra obra do Monteverdi, Vespro della Beata Vergine, de 1610. Para começar do começo, vamos ouvir a abertura:

(Ué... acho que eu já conheço isso!)

Vésperas se refere ao serviço religioso do final da tarde/início da noite (uma das horas canônicas, assim como Matinas, Laudes, etc...). As Vésperas são o primeira grande obra sacra em escala comparável às futuras obras do Bach (Missa em si menor e Paixões), não só no quesito tamanho, variedade e complexidade, mas também em substância. É tão lindo que quase dá vontade de jogar os nove livros de madrigais no lixo e ficar só ouvindo as Vésperas. Monteverdi é o primeiro que incorpora numa obra sacra toda a exuberância da ópera - até mais exuberante que as óperas, na verdade, com seu grande coro (às vezes dividido em coros menores), seus sete solistas vocais e instrumentais, sua orquestra, suas árias, coros, recitativos - e uma riqueza de estilos que não encontra paralelo em nenhuma música da época. 

Há discussões infinitas sobre essa obra: ninguém parece chegar a acordo algum sobre o motivo de sua composição; para qual festa religiosa ela foi composta; se ela realmente foi composta para ser apresentada ou apenas como exigência para Monteverdi conseguir emprego na basílica de São Marcos; se todos os trechos fazem parte das Vésperas ou se certos trechos são independentes; qual é a instrumentação certa (Monte não deixou claro a orquestração que ele queria), etc, etc, etc... Qual é o modo "correto" de executá-la? Sei lá! Espero que nunca haja apenas uma maneira correta de se fazer qualquer coisa no mundo, e eu sinceramente ficaria muito feliz se houvesse 300 variações possíveis das Vésperas, pois seriam 299 novas oportunidades de ouvir essa maravilha! 

Aliás, nós poderíamos falar por meses a fio sobre questões técnicas dessa obra... mas pra quê??? Qualquer um pode gostar de plantas sem nunca ficar sabendo qual é a fórmula da clorofila... Portanto, relaxemos e aproveitemos, enquanto esperamos mais de um século até o Bach resolver fazer algo que consiga competir com o meu queridíssimo Monteverdi!


Nenhum comentário:

Postar um comentário