sábado, 14 de setembro de 2013

WQSZHWVHOB

Eu disse, aqui, que música é uma bagunça! Outra bagunça, maior ainda, é a organização das obras dos compositores...

A maneira mais comum de organizá-las é dar um número de opus (que geralmente aparece abreviado, Op., ou no caso de se citar várias obras, Opp.) a cada uma das publicações publicadas (tá feio, eu sei, não precisa me dizer!) pelo próprio compositor. Tipo assim, ó: "Vou publicar uma pecinha minha. Será minha primeira publicação, então ela será para todo o sempre conhecida como Pecinha, Op. 1. Daí eu publico mais três pecinhas juntas, e o grupinho será para todo o sempre conhecido como Três Pecinhas, Op. 2, nos. 1, 2 e 3. Ou seja, o opus se refere ao número da publicação, e não à numeração das obras individuais ou à ordem de composição das mesmas. O Beethoven era mestre em publicar fora de ordem. Seu Concerto para piano e orquestra nº 1, op. 15, foi composto depois do Concerto para piano e orquestra nº 2, op. 19, mas publicado antes. Outros exemplos existem dessa falta de ordem cronológica nos números de opus de suas obras, assim como em obras de inúmeros outros compositores. 

Por um motivo ou outro, nem tudo era publicado. Mesmo compositores que publicaram quase tudo, só quase tudo foi publicado, como também acontece com Beethoven. Nesse caso, muitas obras aparecem como "WoO x" (de Werke ohne Opuszahl - obra sem número de opus). Nas obras de Brahms, Mendelssohn (entre outros), não é incomum encontrarmos WoOs.

Até aqui, nada de muito complicado. O problema maior começa quando tratamos de compositores cujas obras raramente foram publicadas, como as do Antonio Vivaldi, que só publicou até o opus 12, um total de "apenas" 100 obras dentre as mais de 800! Resultado: tenta-se colocar ordem na bagunça, às vezes colocando as obras divididas em tipo (vocal, instrumental, câmara, orquestral, ópera, ou qualquer outra coisa), ordem cronológica de composição (Quando é possível se saber. Se não for possível, em alguns casos, vai na ordem provável!), ou, como foi feito pelo menos uma vez (por Alessandro Longo, com as sonatas de Domenico Scarlatti), pela ordem que ele achava "mais legal". (Não foi tão simples assim, mas foi quase! Um dia eu falo disso - ou não, sei lá...)

As obras do Beetho, por falar nisso, também foram organizadas em vários catálogos, que quase nunca são utilizados por se referirem não só às "WoO"s mas também às obras inacabadas, das quais só existem rascunhos, anotações, rabiscos. Portanto, (quase) nunca se ouve falar deles e delas (catálogos e "obras" - sobras, na verdade...).

Mas, voltemos ao Tonico. Um dos primeiros que tentaram organizar as obras do Vivaldi foi o Mario Rinaldi, que publicou sua lista em 1944, com as obras numeradas como RN. 1, RN. 2, e "affim fufeffivamente". Mas depois vieram outras listas mais completas, acuradas, e as obras do Vivaldi podiam ser conhecidas por seus números opus, RN, M (de Gian Francesco Malipiero), F (Antonio Fanna), P (Marc Pincherle), até se estabilizarem (por enquanto!), com seus números RV (do catálogo Ryom-Verzeichnis, de Peter Ryom). Atualmente, portanto, suas obras aparecem em dois formatos: "Op. x, RV. y" (no caso de obras que também têm número de opus), ou apenas como "RV. y" (quando não existe versão publicada), e as numerações de catálogos antigos foram abandonadas, no geral.

Mas, para quê facilitarmos, se podemos complicar? Compliquemos, pois:

Outros compositores existem cujas obras também pouco foram publicadas, como o Carl Philipp Emanuel Bach (filho do "nosso amigo" Jotaésse Bach), mas em seu caso mesmo as obras publicadas não são conhecidas atualmente por seus números de opus, e sim pelos números dos catálogos compilados no século XX. No caso do Cepeé Bach, apesar de o catálogo organizado por Alfred Wotquenne (Wq) ter sido suplantado pelo de Eugene Helm (H), ambas as numerações sobreviem lado a lado, e até hoje é comum encontrarmos, por exemplo, Sonata em si bemol maior, H. 2 (Wq 62, nº 1).

O coitado do Domenico Scarlatti, outro dos meus ídolos, está numa situação ligeiramente mais complicada, pois 3 (três!!!!) católogos convivem, alegremente, lado a lado. Temos, em ordem cronológica de feitura dos católogos: o L, de Alessandro Longo (aquele que organizou as sonatas na ordem "legal"), o (também conhecido como Kk), de Ralph Kirkpatrick, e o P, de Giorgio Pestelli. Sua famosa (pra quem conhece) "Fuga de Gato", por exemplo, também é conhecida pelo singelo nome de Sonata K. 30 (L. 499, P. 86), em sol menor. A "ordem fora de ordem" é essa mesma (K, L, P), ao invés de seguir a ordem cronológica (L, K, P ou P, K, L), pois o K, menos recente que o P, ainda é o mais utilizado! 

Adendo: o curioso nome "Fuga de Gato", segundo a lenda, vem do fato de que Scarlatti tinha um gatinho, Pulcinella, que vivia andando sobre o teclado do cravo, e uma das sequências loucas que o gatinho "inventou" foi usada por Scarlatti para construir o início do tema da fuga, uma sequência de notas que é realmente estranha, ainda mais se tocada devagar. Então, aproveitando a oportunidade, vamos "ouvê-la":


E aqui está a versão mais "felina", mas que eu acho musicalmente pior:


Mas voltemos ao assunto em pauta (sem trocadilhos!). Se eu for colocar aqui todos os catálogos existentes de todos os compositores, terei que pedir demissão do meu emprego e nunca mais sair de frente do computador. Como eu tenho (e você também, provavelmente) mais o que fazer, vamos ver apenas alguns catálogos de alguns compositores mais conhecidos, para você poder "fazer bonito" na próxima vez que encontrar algum músico e quiser exibir seus conhecimentos "enciclopédicos" sobre o assunto!

Comecemos, pois,  pelo título deste post, WQSZHWVHOB. Aliás, continuemos, já que o Wq (do Cepeé Bach) está aí em cima!

- Sz se refere ao católogo das obras de Béla Bartók, organizado por András Szöllösy, e que inclui também seus (do Bartók, claro) escritos. Existem dois outros, mais "modernos", mas que nunca caíram nas boas graças de muita gente (DD e BB). Sei lá o que acontecia com o Bartók, mas ele começou três vezes a dar número de opus  às suas obras, até que a bagunça ficou grande demais e ele simplesmente abandonou totalmente qualquer numeração, deixando para a posteridade a incumbência de fazer o trabalho;

- HWV se refere às obras de G. F. Handel, do catálogo Händel-Werke-Verzeichnis. Outros também existiram, mas caíram em desuso;

- Hob. (sempre com ponto, ou às vezes simplesmete H.) são para as obras de Joseph Haydn, organizadas por Anthony von Hoboken.

Algumas outras siglas também importantes são:

- BWV, de Bach-Werke-Verzeichnis, para as obras do nosso amigo Jotaésse;

- S, para as obras de Liszt, organizada por Humphrey Searle;

- K (ou KV), para as obras de W. A. Mozart, a partir do católogo de Ludwig Ritter von Köchel, ou Köchel-Verzeichnis. Há obras publicadas com opus, mas nunca utilizados, pois são pouquíssimas em relação ao total de obras;

- D, para as obras de Franz Schubert, do catálogo de Otto Erich Deutsch. Assim como acontece com Mozart (e Cepeé Bach), há obras publicadas com número de opus, mas, diferentemente de Mozart (e Cepeé Bach), quando há número de opus é comum que os dois números sejam citados, como o Trio nº 2, para piano, violino e violoncelo op. 100, D. 929, em mi bemol maior. Com Schubert ainda há uma complicação extra, no caso de algumas sinfonias suas: eu tenho uma gravação da Sinfonia nº 7 e uma da Sinfonia nº 9 que, estranhamente, são a mesma, pois a numeração das sinfonias depende da fonte utilizada! Ou seja: decore seu número D, para não comprar CD errado: Sinfonia em dó maior, D. 944, conhecida como "A Grande".

E, para terminarmos com uma novidade, vamos de Chopin, cujas obras continuaram recebendo número de opus após sua morte. Em vida, temos as obras dos Opp. 1 a 65. Depois disso, temos os Opp. posth. 66 a 74, publicados a pedido de sua mãe e sua irmã. Além dos opp. posth., outras obras também foram publicadas ainda mais tarde, mas sem número algum, até que decidiram botar ordem na bagunça e surgiram 3 catálogos que competem até hoje pela supremacia:

- B, de Maurice J. E. Brown;
- KK, de Krystyna Kobylanska; e
- O catálogo de Jozef Michal Chominski, que tem a particularidade (execrável, em minha modesta opinião) de ser dividido em 6 partes, A, C, D, E, P e S.

Graças aos céus só são utilizados os números B, KK, A, C, D, E, P ou S caso não existam  números Op. ou Op. posth. 


3 comentários:

  1. Mais um post valiosíssimo. Vou tirar cópia e grudar na parede do armário. Tenho uma perguntinha: as Gnossiennes, do Satie. Se são trois, por que existem Gnossiennes de 4 a 6? Li em algum lugar que um tal de Robert Caby publicou essa numeração.

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    1. Queridíssima frequentadora assídua deste Bológue. A "explication" à sua questão é bastante simples. Existem 6 Gnossiennes, sim, porém as três primeiras foram publicadas juntas, com o título de 'Trois Gnossiennes', e as demais publicadas postumamente, sem um título comum, apenas com seus 'nomes próprios': Gnossienne 4, Gnossienne 5, e Gnossienne 6. Portanto, temos 'Trois Gnossiennes', apesar de termos 6 Gnossiennes! Deu para entender, né?
      A mesma coisa acontece com os prelúdios do Chopin, por exemplo. Há os '24 Prelúdios op. 28', mas Chopin compôs um total de 26 prelúdios. Portanto, temos '24 Prelúdios', apesar de termos 26 prelúdios!

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    2. Obrigada. Agora vou dormir tranquila.

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