quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Estilistas na fase oral 5 : século XIX

Aimeudeus... Vamos lá, a mais outro capítulo de nossa saga interminável, mostrando um pouco da música do século XIX. Vai ser difícil descobrir coisas diferentes para colocar aqui neste post, mas vou tentar, prometo!

Claro que este será um post (quase) desnecessário, pois todo mundo já conhece bilhões de exemplos dessa época. De Schubert a Rimsky-Korsakov, passando por Berlioz, Chopin, Liszt, Verdi, Wagner, Tchaikovsky, este é o período mais popular de toda a história da música. Ao mesmo tempo, por ser tão popular, é um dos que mais sofrem preconceitos, e uma das espécies mais comuns de estilistas é justamente o de pessoas que não suportam música do século XIX. 

No post sobre Classicismo eu disse que a música vocal de câmara não era, comparativamente, muito importante. Agora, no século XIX, ela volta com toda a força, com a proliferação de chansons francesas, lieder alemães, além de outras formas vocais de câmara (canções típicas dos diversos países, música coral, serenatas, etc). Para compensar, parece que a música vocal de igreja é que acabou ficando em segundo plano. Ainda se produzia missas e outros tipos de música sacra vocal (Stabat Mater, Pater Nostri, Ave Marias, etc), mas, no todo, é um estilo que não atraía muito a atenção dos compositores, que reservavam suas forças para a música sinfônica ou de câmara, ou para a ópera, mais popular do que nunca.

As missas do Classicismo eram muito criticadas por serem alegres demais, e as missas do século XIX, como operísticas demais. Ó só como não deixam de ter razão:

Agnus Dei, da Petite Messe solennelle, de Gioachino Rossini:


Escrevia-se óperas demais, e era difícil escapar dessa influência. Além do mais, o século XIX, dominado pelo Romantismo, era o século do subjetivismo, do compositor individual, único, especial, do "eu, eu, e só eu mesmo", o que, na minha opinião, não combina muito com a música sacra. Apesar de tudo, muita coisa boa existe, se você souber onde procurar (no IúTúbi, claro).

Deutsche Messe, D. 872, do Franz Schubert, escrita num estilo propositadamente simples, para ser cantada pela própria congregação durante o culto, e cujo texto são hinos (em alemão) de autoria Johann Philipp Neumann:


Outra obra (relativamente) desconhecida de Schubert é seu Stabat Mater em fá menor, D. 383, simplesmente deslumbrante. Diferentemente da maioria, essa versão usa um texto em alemão (de Friedrich Klopstock) adaptado do original latim. Aqui, só a primeira parte da obra:


Também deslumbrante, e também (quase) desconhecido, é o oratório Christus, S. 3, do Franz Liszt, que, apesar de suas mais de 3 horas de duração, e de ser para grande orquestra, solistas e coro, consegue, ainda assim, ser intimista. Quem quiser se aventurar a ouvi-lo inteiro, aqui estão as três partes, sem libreto, infelizmente:

- 1º parte, Oratório de Natal:


- 2º parte, Epifania:


- 3ª parte, Paixão e ressurreição:


Outra maravilha escondida é o oratório L'Enfance du Christ, do Hector Berlioz:


(O libreto está AQUI, para quem quiser acompanhá-lo)

Algumas obras sacras do século XIX acabaram entrando no repertório (ou na coleção de CDs dos ouvintes), como o Requiem e as Quattro pezzi sacri (ambos do Verdi), o Requiem do Fauré, o Requiem Alemão, do Brahms, as Missas do Bruckner. A maioria, porém, praticamente sumiu na poeira no tempo, infelizmente. Mas a razão não é apenas musical: a música para a igreja, depois de tantas "reformas" e "contra-reformas", principalmente no século XX, foi se tornando cada vez mais simples, mais comum, mais desimportante, totalmente irrelevante para a história da música. Resultado: muito da música sacra séria deixou de ter uso litúrgico, migrando para a categoria música para o teatro, que, por sua vez, já estava abarrotada de toneladas de música sinfônica e operística. Tadinha da música sacra... não sobrou espaço (nem tempo) para ela.

Vamos, porém, tentar resgatar mais alguns exemplos!

Charles Gounod, Messe solennelle à Sainte Cécile:


Tem quem goste, mas, na minha opinião, parece a versão musical das flores de plástico que enfeitam tantas igrejas hoje em dia... Muito mais importante, lindo, maravilhoso, é o oratório Les Béatitudes, de César Franck. Aqui, um trecho da "Septième béatitude: Bienheureux les pacifiques":


E, aqui, o oratório inteiro. A gravação não é lá grandes coisas, mas foi a única versão integral que encontrei:


Também foi quase impossível encontrar o libreto online, e a única opção que descobri foi esta AQUI. Les Béatitudes é umas das obras mais importantes do César Franck, e uma das obras sacras mais espetaculares do século XIX, e a dificuldade em encontrá-la na Internet é uma boa indicação do desinteresse quase geral nesse repertório. Ainda bem que aqui, pelo menos, a gente consegue conhecer um pouco dele!

Da categoria "menos desconhecida mas também quase esquecida", temos o Stabat Mater do tcheco Antonín Dvorák, espetacularmente lindo (e dramático). O primeiro trecho (para se ouvir de joelhos!) está aqui: 


E ele inteiro, aqui:


Para terminarmos o post de hoje - antes de chegarmos à conclusão de que música sacra era o gênero mais popular do século XIX - vamos ouvir só mais uma obra: o lindo, calmo e feliz Oratorio de Noël, Op. 12, de Camille Saint-Saëns, que, infelizmente, também sumiu na poeira dos tempos.



Outro dia voltaremos com os demais gêneros de música vocal do século XIX, pois hoje já estamos com o sacro cheio...

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