sexta-feira, 4 de julho de 2014

Shake, Shake, Shake

Daqui a 50 anos Shakespeare completará 500 aninhos! Como eu estarei, então, um tanto quanto velhinho e sem paciência para continuar alimentado este blog, aproveitemos a comemoração de seu 450º aniversário para conhecermos alguns dos milhares de filhos que ele teve com milhares de compositores.

Não estou brincando! A família de filhinhos musicais engendrados por Shakespeare, segundo os últimos censos, já ultrapassou a marca de 20.000 criaturas! Já no século XVI começaram a pipocar - na Inglaterra, logicamente - obras inspiradas/baseadas nas peças do Bill, como o madrigal "It Was a Lover Lassi" (de As You Like It), de Thomas Morley:


It was a lover and his lass,
  With a hey, and a ho, and a hey nonino
That o'er the green corn-field did pass.
  In the spring time, the only pretty ring time,
When birds do sing, hey ding a ding a ding;
Sweet lovers love the spring.

Between the acres of the rye,
  With a hey, and a ho, and a hey nonino,
These pretty country folks would lie,
  In the spring time, the only pretty ring time,
When birds do sing, hey ding a ding a ding;
Sweet lovers love the spring.

This carol they began that hour,
  With a hey, and a ho, and a hey nonino,
How that a life was but a flower
  In the spring time, the only pretty ring time,
When birds do sing, hey ding a ding a ding;
Sweet lovers love the spring.

And therefore take the present time
  With a hey, and a ho, and a hey nonino,
For love is crownéd with the prime
  In the spring time, the only pretty ring time,
When birds do sing, hey ding a ding a ding;

Sweet lovers love the spring.

Ou "Full Fathom Five" (de The Tempest), de Robert Johnson:


Full fathom five thy father lies,
Of his bones are coral made;
Those are pearls that were his eyes:
Nothing of him that doth fade,
But doth suffer a sea-change
Into something rich and strange.
Sea-nymphs hourly ring his knell:
Ding-dong.

Hark! now I hear them, - ding-dong bell.

Quando a ópera, depois da segunda metade do século XVII, começa a se tornar realmente popular, as peças teatrais do Bill também passam a ser utilizadas como fontes de libretos. Há muitas óperas (e outras obras de gêneros correlatos - masquerades, pastorais, etc) dessa época inspiradas nas peças de Shakespeare, mas a grande maioria sumiu nas areias do tempo, como A Comick Masque of Pyramus and Thisbe (1716), de Richard Leveridge, baseada em Sonhos de Uma Noite de Verão, ou Rosalinda (1744), baseada em As You Like It, de Francesco Maria Veracini. Umas das poucas óperas (na verdade uma masque, ou semi-ópera) que sobreviveu é a lindíssima The Fairy-Queen, de Henry Purcell, também inspirada em Sonhos... :


If Love's a Sweet Passion, why does it torment?
If a Bitter, oh tell me whence comes my content?
Since I suffer with pleasure, why should I complain,
Or grieve at my Fate, when I know 'tis in vain?
Yet so pleasing the Pain, so soft is the Dart,
That at once it both wounds me, and tickles my Heart.
I press her Hand gently, look Languishing down,
And by Passionate Silence I make my Love known.
But oh! I'm Blest when so kind she does prove,
By some willing mistake to discover her Love.
When in striving to hide, she reveals all her Flame,

And our Eyes tell each other, what neither dares Name.

A "bardolatria generalizada" que realmente resistiu à passagem do tempo, porém, começou relativamente tarde, e uma das primeiras obras musicais mais "recentes" inspirada por Shakespeare da qual tenho notícia é a canção "She Never Told Her Love", de Joseph Haydn, cujo poema foi extraído da peça Twelfth Night:


She never told her love
But let concealment, like a worm in the bud
feed on her damask cheek
She sat like Patience on a Monument
Smiling at Grief.

Da mesma época é a única adaptação operística de The Comedy of Errors, com o título Gli Equivoci, composta pelo inglês Stephen Storace sobre o libretto de Lorezo Da Ponte, fiel colaborador de Mozart, Salieri, e outros. Aqui, sua abertura:


E a ópera completa, para quem quiser se aventurar a enfrentá-la sem o libreto, que não encontrei:


Mozart e Beethoven, estranhamente, não foram picados pelo mosquito dessa febre. Mesmo Schubert, entre suas centenas de canções, só utiliza Shakespeare em duas delas, ambas traduzidas para o alemão: "An Sylvia", D. 891, extraída de Dois Cavalheiros de Verona, onde já aparecia com a indicação "song"; e "Ständchen" (Horch! Horch! die Lerch!), D. 889, extraída de Cymbeline (só a primeira estrofe - as demais de autoria de Johann Anton Friedrich Reil).

"An Sylvia":


Em alemão:

Was ist Silvia, saget an,
Daß sie die weite Flur preist?
Schön und zart seh ich sie nahn,
Auf Himmelsgunst und Spur weist,
Daß ihr alles untertan.

Ist sie schön und gut dazu?
Reiz labt wie milde Kindheit;
Ihrem Aug' eilt Amor zu,
Dort heilt er seine Blindheit
Und verweilt in süßer Ruh.

Darum Silvia, tön, o Sang,
Der holden Silvia Ehren;
Jeden Reiz besiegt sie lang,
Den Erde kann gewähren:
Kränze ihr und Saitenklang!

No original:

Who is Silvia? what is she,
That all our swains commend her?
Holy, fair and wise is she;
The heaven such grace did lend her,
That she might admired be.
Is she kind as she is fair?
For beauty lives with kindness.
Love doth to her eyes repair,
To help him of his blindness,
And, being help'd, inhabits there.
Then to Silvia let us sing,
That Silvia is excelling;
She excels each mortal thing
Upon the dull earth dwelling:
To her let us garlands bring.

Horch! Horch!, etc:


 
Horch, horch, die Lerch' im Ätherblau!
Und Phöbus, neu erweckt,
Tränkt seine Rosse mit dem Tau,
Der Blumenkelche deckt.
Der Ringelblume Knospe schleußt
Die goldnen Äuglein auf;
Mit allem, was da reizend ist,
Da süße Maid, steh auf!

Wenn schon die liebe ganze
Nacht Der Sterne lichtes
Heer Hoch über dir im Wechsel wacht,
So hoffen sie noch mehr,
Daß auch dein Augenstern sie grüßt.
Erwach! Sie warten drauf,
Weil du doch gar so reizend bist;
Du süße Maid, steh auf!

Und wenn dich alles das nicht weckt,
So werde durch den Ton
Der Minne zärtlich aufgeneckt!
O dann erwachst du schon!
Wie oft sie dich ans Fenster trieb,
Das weiß sie, drum steh auf,
Und habe deinen Sänger lieb,
Da süße Maid, steh auf!

E a primeira estrofe, no original:

Hark, hark! the lark at heaven's gate sings,
And Phoebus 'gins arise,
His steeds to water at those springs
On chalicedflowers that lies;
And winking Mary-buds begin
To ope their golden eyes:
With every thing that pretty is,
My lady sweet, arise:
Arise, arise.

A febre começa verdadeiramente a se alastrar depois de Mendelssohn e sua Abertura para Sonhos de Uma Noite de Verão, de 1826:


Mais ou menos à mesma época uma companhia inglesa itinerante de teatro (não me pergunte o nome, pois não consegui descobrir essa informação em lugar algum) resolveu apresentar Shakespeare em Paris. Hector Berlioz ficou tão impressionado, mas tão impressionado, que passa grande parte do resto de sua vida escrevendo músicas e mais músicas inspiradas pelas obras do Bill. Uma das mais famosas é sua sinfonia coral Roméo et Juliette, op. 17, que já vimos AQUI. Outra, lindíssima, é Tristia, Op. 18. Na verdade é uma trilogia de peças para orquestra e coro feminino, as duas últimas inspiradas em Shakespeare: a primeira das duas é "La Mort d'Ophélie", para piano e voz, e cujo texto é um poema de Ernest Legouvé, por sua vez já baseado no original do Bill:


Au bord d'un torrent, Ophélie
Cueillait tout en suivant le bord,
Dans sa douce et tendre folie,
Des pervenches, des boutons d'or,
Des iris aux couleurs d'opale,
Et de ces fleurs d'un rose pâle, 
Qu'on appelle des doigts de mort. 

Puis élevant sur ses mains blanches 
Les riants trésors du matin, 
Elle les suspendait aux branches, 
Aux branches d'un saule voisin; 
Mais, trop faible, le rameau plie, 
Se brise, et la pauvre Ophélie 
Tombe, sa guirlande à la main. 

Quelques instants, sa robe enflée 
La tint encor sur le courant, 
Et comme une voile gonflée, 
Elle flottait toujours, chantant, 
Chantant quelque vieille ballade, 
Chantant ainsi qu'une naïade 
Née au milieu de ce torrent. 

Mais cette étrange mélodie 
Passa rapide comme un son; 
Par les flots la robe alourdie 
Bientôt dans l'abîme profond; 
Entraïna la pauvre insensée, 
Laissant à peine commencée 
Sa mélodieuse chanson.

A segunda delas é a "Marche funèbre pour la dernière scène d'Hamlet":


E Berlioz ainda tem a Overture Le Roi Lear, Op. 4, e a ópera Beatrice et Benedict, inspirada em Muito Barulho por Nada. Será que ele, Berlioz, gostava do Bill? Gostava tanto, tanto, que se apaixonou perdidamente pela atriz que fazia Ofélia (Harriet Smithson) numa apresentação de Hamlet.

De lá pra cá a enxurrada só aumentou! Só de Romeu e Julieta já existe uma quantidade absurda, capaz de render um post inteiro. Quer ver como é verdade? Então aguarde o próximo post!

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