A inveja é uma m...., eu sei. Mas, fazer o quê? Confesso que tenho inveja de alguns "monstros do piano", e adoraria ser tão bom quanto eles; porém dá tanto trabalho, tanto trabalho, mas TANTO trabalho, que compensa deixar que eles pratiquem 12 horas por dia, e depois eu vou lá no YouTube e me aproveito do esforço alheio.
Como eu sei um pouquinho só de piano, e menos ainda de qualquer outro instrumento, só consigo reconhecer "monstrinhos ao piano". Dos outros - demais instrumentistas, cantores, regentes - eu gosto ou não gosto (apesar de geralmente saber o porquê), mas não conheço tantos assim para poder dizer quais meus preferidos. Na verdade até tenho alguns favoritos, mas será assunto para outro dia!
Saber um pouco de piano já me causa alguns problemas, pois minha opinião não necessariamente combina com a opinião generalizada, e às vezes ouço críticas à minha crítica. Por exemplo: eu acho o Maurizzio Pollini um chato, apesar de (quase) todo mundo o considerar um dos "monstros do piano". Já tive oportunidade de ouvi-lo ao vivo (duas vezes), e nas duas vezes achei-o de uma "enfadonhice" tremenda. A técnica é linda, elegantíssima, o som é perfeito, mas é chaaaaaaatooooooo.
Um vez eu disse isso a um conhecido que adora o Pollini e, é claro, logo ouvi de volta: "Se você fosse tão bom quanto ele, estaria viajando pelo mundo, tocando, ao invés de ficar criticando".
É óbvio que ele estava certo, e não sou nem 0,01% tão competente quanto o Pollini! Por outro lado, minha competência infinitamente menor que a do Pollini não me obriga a gostar dele, de forma alguma! Seria o equivalente a eu achar que todos meus conhecidos são obrigados a gostar do Roman Polanski. Já que nunca fizeram um filminho que fosse, pela lógica eles deveriam parar de criticar qualquer cineasta e gostar de todos os que são "consagrados"! Não é isso o que acontece, claro, já que todo mundo tem direito à opinião (eu, inclusive), embasada ou não. Grrrrrrrr-au-au!
Isto posto, vamos conhecer alguns dos meus "monstrinhos" favoritos. MEUS "monstrinhos" favoritos! Não estão por ordem de preferência, competência, nem qualquer outra ordem, aliás! E fiquem à vontade para discordarem, e mais à vontade ainda para me sugerirem outros!
Monstrinho nº 1: Grigory Sokolov:
Como todos os MEUS "monstrinhos", ele tem uma maneira particularíssima de tocar. Pensando bem, acho que isso é o que mais me atrai nesses pianistas. Se fosse para ouvir sempre as mesmas coisas, interpretadas sempre do mesmo jeito, bastaria uma gravação de cada obra, e estamos resolvidos! Gosto de ouvir o compositor, mas também gosto de ouvir o intérprete (e o Stravinsky que me perdoe). Na minha (modesta?) opinião, isso é o mais difícil, e também o mais interessante. Ter técnica é MUITO difícil, mas imaginação é artigo mais raro ainda, e encontrar um equilíbrio entre os dois, então...
Como nessa interpretação da Partita nº 6, em mi menor, do Jotaésse Bach (sempre ele...). Muita gente pode achar que o Sokolov é um exagerado, mas não faz mal. Ele é um dos MEUS monstros!
Outra "monstruosidade" produzida por Sokolov, a Sonata em si bemol maior, D. 960, do Schubert:
E, para finalizar, a Kreisleriana, Op. 16, do Schumann :
Agora, a Yuja Wang, uma monstrinha pequenininha, magrinha, fraquinha, mas que toca como um monstrão de 200kg. Não sei como ela dá conta do Concerto nº 3, para piano e orquestra, do Prokofiev. Se o Wolverine tocasse piano soaria mais ou menos assim:
E essa criatura tem uma técnica que dá medo!!!!!!!!!:
A pequena (e medonhamente difícil de tocar) Sonata em sol maior, K. 455, do Scarlatti:
Essa menina tem um fogo que é espetacular. Na minha (modesta?) opinião, ainda falta profundidade; de qualquer maneira, a Yuja tem uma energia que é irresistível, e merece o "Troféu Scary Monster"!
E, já que apareceu um Scarlatti, vamos de outro monstro, que sumiu por muito tempo e que nos últimos anos reapareceu dentre as cinzas do passado, Ivo Pogorelich. Os puristas odeiam o Scarlatti do Pogorelich. É completamente diferente do Scarlatti da Yuja (que os puristas devem odiar ainda mais), de uma clareza, de uma elegância, de uma falsa simplicidade que é maravilhosa!!!!
Sonata em mi maior, K. 135:
Ou a Sonata em si menor, K. 87, numa interpretação totalmente "não-cravística", e totalmente maravilhosa:
Não queria fazer isto, mas vou... Uma das gravações "de referência" das sonatas do Scarlatti é a do Scott Ross, que gravou todas elas (mais de 500) ao cravo. Aqui está a Sonata em ré menor, K. 1. Lindamente, corretamente, "certamente" tocada. Mas (lá vem minha modesta opinião de novo) não me dá vontade de "conversar" com ela (a sonata), levá-la pra casa, e perguntar o que ela pensa do mundo, como me dá vontade de fazer com a interpretação do Pogorelich. Na (adivinha) minha opinião, o Scott Ross toca todas as sonatas como elas devem ter sido tocadas quando nasceram, mas o Pogorelich as toca como elas seriam depois de passarem longos anos aprendendo, apanhando, sorrindo, chorando, vivendo:
Aqui, o Scott Ross:
Aqui, o Pogo:
(Como dizem em Goiás: "Chega dói" de tão lindo!)
Outro "monstro scarlattiano" é (era) o Arturo-Benedetti Michelangeli.
Sonata em si menor, K. 27:
Sonata em dó maior, K. 159:
Claro que os pianistas não vivem só de Scarlatti! Vamos, portanto ouvir a "versão" do Michelangeli para a Balada nº 1, em sol menor, Op. 23, do Chopin:
Procurem depois outras gravações, de outros pianistas, no YouTube. Algumas são mais lindas, outras menos lindas, mas a do Michelangeli me dá a impressão de que ele (Chopin) está conversando consigo mesmo, e eu, de repente, me dou conta de que estou entendendo tudo que ele está dizendo! É a versão Being John Malkovich da música clássica.
Vamos, agora, a outro jovem monstrinho, Evgeny Kissin.
Se o Chopin do Michelangeli, para mim, é como uma conversa dele consigo mesmo, o do Kissin é uma briga! "Eu me amo, mas eu me odeio". Como Chopin me parece bipolar, acho que o Kissin mostra direitinho essa bipolaridade, como nessa estupenda interpretação da Balada nº 2, em fá maior, op. 38. Não se enganem pelo tom bucólico/feliz-mas-melancólico do início. E prestem atenção também aos últimos 30 segundos; a música termina porque não existe maneira de ela continuar existindo: "Chega! Desisto!"
Para completar, Kissin tem uma técnica (como todos os "monstros"), que consegue transformar as coisas mais medonhamente difíceis em grandes brincadeiras, como na famosa "La Campanella", do Liszt, que tenho certeza ter sido composta para um pianista de 4 braços. É uma grande brincadeira, mas até mesmo o Kissin chega ao final da música suando mais que cavalo de corrida:
Como alguém disse, nos comentários a esse vídeo: "His fingers have fingers."
Porém nem só de técnica vive um monstro, como fica claro em sua interpretação do primeiro movimento da Sonata ao Luar, do Beetho. É uma das poucas interpretações desse movimento que me fazem lembrar que a mão esquerda também é importante, e realmente consigo ouvir claramente 3 linhas melódicas simultâneas. É um controle absoluto de sonoridade, numa interpretação que me soa como "Pronto. É isso. Definitivamente." Pode até ser que você não goste do interpretação do Kissin, mas não tem jeito, enquanto você a ouve é impossível imaginar qualquer outra:
E, por falar em controle absoluto de sonoridade, vamos ao último monstro do dia, um dos poucos, na (adivinha de quem?) minha opinião, que consegue tocar Rachmaninoff sem me matar de tédio. Com vocês, Sviatoslav Richter em alguns prelúdios do Rach:
Eu sou o primeiro a reclamar de gente que acha que só existe uma interpretação possível de qualquer música, mas devo confessar que Rachmaninoff, para mim, só com o Richter. Se alguém souber de alguém de consegue chegar perto de sua interpretação, por favor me avise! Depois disso, não precisa de mais nada para provar (se essa fosse minha intenção) a "monstruosidade" do Richter. Mas não dá para passarmos sem uma de suas interpretação das sonatas do Schubert:
(Sonata em sol maior, D. 894,)
Adoro um dos comentários a esse vídeo: "Eu achei o andamento do primeiro movimento tão absurdo [muito lento demais] que quis parar de ouvir. Mas eu não consegui, e ele me manteve preso por 27 minutos". É exatamente isso que uma boa interpretação (para mim) significa: você pode discordar, mas ela te convence de que, apesar de tudo, ela está certa. Se a Ao Luar do Kissin é "definitiva", as sonatas do Schubert com o Richter são "super-mega-ultra-definitivas"; soam, para mim, como se elas estivessem me contando algum segredo enquanto se desmaterializam no ar, indo embora daqui, para todo o sempre
Agora, depois disso tudo, só me resta escutar um pouco de Stefani Joanne Angelina Germanotta, pra ver se eu volto para o mundo real(?).
Ainda não ouvi tudo, mas estou adorando. Conheces a Maria Grinberg, pianista soviética? Conheço pouco, mas gosto demais dela. O concerto 24 do Mozart com ela é um de meus favoritos. Agora estou ouvindo as 32 sonatas do Beethoven (ainda estou na quarta).
ResponderExcluirAtrasadíssima, minha reposta... Mas aqui vai ela: ainda não não cheguei a uma conclusão são a M.G. Às vezes acho muito boa, às vezes tem algo que não me convence. Ou seja, terei que ouvir muito mais! De qualquer maneira, adorei a oportunidade de "reouvir" uma pianista que havia sumido do meu repertório.Obrigado!
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