Deve ser bom pensar nas coisas enquanto elas ainda fazem sentido! Um dia talvez eu consiga... Mas não foi dessa vez! Como é que eu deixei o Carnaval passar em branco?
Enfim... Antes tarde do que mais tarde.
Aproveitemos, portanto, que eu também ando sem ideias para assuntos postísticos, e vamos ouvir um pouco de músicas carnavalescas, começando, como não podia deixar de ser, em Veneza, com as variações Carnaval de Veneza, Op. 10, do Niccolò Paganini, baseadas numa cançãozinha popular napolitana (até onde eu sei), "Cara mamma mia", que todo mundo conhece em português com o versinho inicial "O meu chapéu tem três pontas":
E O Carnaval de Veneza, para trompete e orquestra, do Jean-Baptiste Arban, sobre a mesma canção:
Caso você ainda não esteja de saco cheia dessa cançãozinha, aqui vai mais uma encarnação da criatura, as variações Souvenir de Paganini, B. 37, do Chopin:
Tinha que colocá-las aqui mas, venhamos e convenhamos, ô coisinhas chatas... O Chopin é menos pior, na minha opinião, porque é mais curto, as variações são contínuas, e o acompanhamento não muda nunca, dando oportunidade para Chopin fazer uma das coisas que ele faz melhor que qualquer um: enfeitar melodias. Essas variações me lembram outra obra sua, Berceuse em ré bemol maior, Op. 57, também em forma de "variações ininterruptas", mas infinitamente melhor que Souvenir - é o "Tratado Universal do Enfeite", digamos assim, construído sobre 68 compassos absolutamente iguais, na mão esquerda:
Mas votemos ao assunto antes que eu enverede por outros caminhos.
Para contrabalançar "issos" daí de cima (menos a Berceuse), vamos ouvir outro ciclo de peças que, apesar de não serem, tecnicamente, variações, são baseadas sempre nas mesmas sequência de notas:
- A - S - C - H (Lá, Mi bemol, Dó, Si, em alemão);
- Sua variação S - C - H- A (Mi bemol, Dó, Lá, Si); e
- Sua variação S - C - H- A (Mi bemol, Dó, Lá, Si); e
- As - C - H (Lá bemol, Dó, Si)
Com vocês, o espetacular, maravilhoso, estupendo, fantástico - e ridiculamente difícil, em todos os níveis possíveis - Carnaval, Op. 9, que Robert Schumann compôs quando era um "velhinho" de 25 anos:
Eu não disse que era lindo? Credo! Dá vontade de chorar de tão espetacular! Vai ser maravilhosos assim lá em casa!!!! Se Schumann tivesse composto só isso já teria garantido um lugar no panteão dos sub-gênios!
Também tem a Rapsódia Húngara nº 9, em mi bel maior, S. 244/9, do Franz Liszt, conhecida como Carnaval em Peste:
Mas é sempre um problema colocar qualquer coisa depois do Carnaval do Schumann, como vocês notaram... Então chega de piano, por hora, e vamos para o orquestra sinfônica, começando com Hector Berlioz e sua abertura Carnaval Romano, Op. 9, que tem esse nome por ser um pout-pourri de sua ópera Benvenuto Cellini, onde há cenas que se passam durante o carnaval:
Na mesma categoria "música divertida mas inócua, para iniciar um concerto" (na minha opinião, claro!, mas eu estou sendo muito chato - como sempre - pois a utilidade dessas "aberturas de concerto" é essa mesma), está outra abertura, Carnaval, Op. 92, do Antonín Dvorák.
Quer ouvir ainda outra abertura? Tem também a abertura da ópera Maskarade, do Carl Nielsen, sobre um casalzinho que se conhece durante um baile de máscaras, mas não encontrei um vídeo da cena propriamente dita. Vai, então, só a abertura:
Aliás, um outro casalzinho que se conhece durante um baile de máscaras é justamente o mais famoso deles, Romeu e Julieta, apesar de que geralmente se esquecem das máscaras nas montagens... A música para o balé, do meu amigo Prokofiev, é simplesmente maravilhosa, e a música para o baile em si é uma de suas peças - merecidamente - mais conhecidas. Eu resolvi colocar o balé inteiro porque tudo é lindo! O baile, para quem quiser ir direto a ele, começa em 28:00, e a música, até então propositadamente meio sem-gracinha, de repente mostra que a tragédia está rondando ali por perto. A versão deste vídeo é linda (do impecável Royal Ballet), e ainda tem, de brinde, um Romeu negro, o cubano Carlos Acosta, e um brasileiro, Thiago Soares, no papel de Tybalt:
Lindo demais, sô! De arrepiar!
Atualização: como notaram, o vídeo foi removido do YT... Mas sobrou um vídeo da cena em questão, da mesma montagem do Royal Ballet:
Cenas que se passam durante bailes de máscaras aparecem de vez em quando em óperas, como já vimos, sendo que a mais famosa delas chama-se justamente Un Ballo in Maschera, de outro amigo meu, Giuseppe Verdi. Aqui, o final da ópera, durante o tal baile:
Também tem a opereta Carnaval em Roma, do Johann Strauss II, que praticamente sumiu nas areias do tempo e que, a julgar pela abertura, já sumiu tarde. Nem vou colocá-la aqui, pois acho que não vale a pena. Quem quiser, procure no IúTúbi.
E chega de ópera. Pulemos para um gênero que não vimos aqui hoje, música de câmara, e vamos ouvir um dos carnavais mais famosos, a suíte O Carnaval dos Animais, com seus movimentos-animais :
1 - Introdução e Marcha Real do Leão;
2 - Galinhas e Galos;
3 - Antílopes (animais velozes);
4 - Tartarugas;
5 - O Elefante;
6 - Cangurus;
7 - Aquário;
8 - Personagens com Longas Orelhas;
9 - O Cuco nas Profundezas do Bosque;
10 - Pássaros;
11 - Pianistas;
12 - Fósseis;
13 - O Cisne;
14 - Final.
Interessante (?) notar que Saint-Saëns incluía pianistas como animais. Mas eu nem ligo; adoro estar entre eles! Claro que no trecho "Fósseis" há uma clara referência (apesar de muito curta) à ópera - além de referências a várias outras músicas - mas os "fósseis-cantores" nem notam, e um deles, certa vez, ficou bravo(a) comigo pois eu, um animal-pianista, tinha notado algo muito pouco lisonjeiro a eles. Enfim...
Mas, antes, vamos ouvir uma musiquinha muito conhecida, da opereta Orfeu no Inferno, do Jacques Offenbach...
... para podermos nos divertir mais com o 4º movimento do Carnaval dos Animais, "Tartarugas":
Bonitinho demais!
E, para quem quiser saber de onde vem a "gozação" com os cantores, em "Fósseis", é uma citação de uma das árias mais famosas de todos os tempos, "Una voce poco fa", da ópera O Barbeiro de Sevilha, do Rossini:
Saint-Saëns também cita isso aqui, em "Fósseis":
Eu não tinha ideia de que essa musiquinha fosse tão antiga antes de ter ouvido pela primeira vez ao Carnaval dos Animais! Aliás, essa musiquinha na verdade é originalmente francesa ("Ah, vous dirai-je, Maman"). Outra descoberta: existe até um ciclo de variações do Mozart sobre esta cançãozinha (KV 265):
E lá vou eu, enveredando para outro caminho... Voltemos para a folia!
Agora, finalmente, a suíte inteira. Ah, um aviso: o trecho "Pianistas", nesta gravação, é divertidíssimo. Saint-Saëns especifica, claramente, que é para os pianistas o tocarem como se estivessem estudando escalas, e é por isso que parece tudo desencontrado e inseguro, no vídeo. Talvez tenham exagerado um pouco, mas é divertido:
Adoro essa suíte! É, para mim, um dos grandes exemplos de música leve, divertida, sem grandes pretensões, mas que cumpre exatamente aquilo a que se propõe, e está entre as coisas mais felizes que existem no mundo. Está triste, melancólico, cabisbaixo, sorumbático? Vá ouvir essa música que passa!
Para terminarmos por hoje, antes que, de novo, este post vire um livro, um pouquinho do carnaval brasileiro, que não poderia faltar aqui. Primeiro, "O Polichinelo", da suíte A Prole do Bebê nº 1, do Villa-Lobos. Não é exatamente "carnaval", mas serve, e é uma gravação muito antiga, cheia de chiados, mas que vale a pena, pois Guiomar Novaes sempre vale a pena:
Carnaval "de verdade" é o Carnaval das Crianças, também do Villa-Lobos, com seus movimentos:
1 - O Ginete de Pierrozinho;
2 - O Chicote do Diabinho;
3 - A Manhã de Pierrette;
4 - Os Guizos do Dominozinho;
5 - As Peripécias do Trapeirozinho;
6 - As Traquinices do Mascarado Mignon;
7 - A Gaita de um Precoce Fantasiado;
8 - A Folia de um Bloco Infantil.
Ah, me lembrei de que também há outra peça do Villa-Lobos, Momoprecoce, para piano e (enorme) orquestra, a mais "carnavalescas" de todas:
Então chega por hoje, né? Ano que vem, se eu me lembrar a tempo, futucaremos outras coisas para passarmos juntos o carnaval.
Nenhum comentário:
Postar um comentário