Tadinho do Britten (1913-1976)... Pacifista (durante a Segunda Guerra Mundial), homossexual (na Inglaterra da primeira metade do século XX), esquerdista (mas nunca filiado a nenhum partido), sexualmente reprimido (e parceiro, até a morte, de Peter Pears, que era promíscuo), além de um tanto quanto "michael-jacksoniano": sempre atraído por garotos novos (e, segundo aqueles que se dedicaram a estudar sua vida, sempre mantendo relações totalmente platônicas com seus "amiguinhos").
Além disso, musicalmente Britten era considerado por muitos, à época, como a encarnação de tudo de ruim do modernismo (pelos "tradicionalistas-passadistas"), e de tudo de ruim do passadismo (pela avant-garde musical parisiense), apesar de estimado e reverenciado por grandes nomes da música, como Shostakovich, Mstislav Rostropovich, Sviatoslav Richter, entre muitos outros.
Além disso, musicalmente Britten era considerado por muitos, à época, como a encarnação de tudo de ruim do modernismo (pelos "tradicionalistas-passadistas"), e de tudo de ruim do passadismo (pela avant-garde musical parisiense), apesar de estimado e reverenciado por grandes nomes da música, como Shostakovich, Mstislav Rostropovich, Sviatoslav Richter, entre muitos outros.
(Britten - ao piano - e Pears)
Era também católico-agnóstico (tá, isso não existe, mas eu acho que ele era isso mesmo!), sempre mantendo distância da religião formal e seus dogmas, e ao mesmo tempo escrevendo grande quantidade de música religiosa. Quando de sua morte, o governo inglês até ofereceu para que ele fosse sepultado na Abadia de Westminster, onde os próprios reis (e Handel) estão sepultados - o que foi recusado por sua família, pois Britten queria ser sepultado perto do mar, onde nasceu. A própria rainha Elizabeth, inclusive, esteve presente em seus funerais, e a Família Real também enviou carta de condolências a seu companheiro Peter Pears, apesar de ambos terem sido “investigados” na década de cinquenta, quando houve um recrudescimento na aplicação das leis que criminalizavam a homossexualidade.
Enfim, uma criatura e uma vida cheias de contradições, psicologicamente complexa. Pelo menos é isso que eu ouço em várias de suas obras, como na Ceremony of Carols, um ciclo de canções corais para sopranos, solistas e harpa, escrito sobre poemas religiosos antigos, onde tradição e modernidade, culpa e certeza de perdão, angústia e tranquilidade, parecem se alternar constantemente:
Texto da Ceremony:
1. Procession
Hodie Christus natus est:
hodie Salvator apparuit:
hodie in terra canunt angeli:
laetantur archangeli:
hodie exsultant justi dicentes:
Gloria in excelsis Deo.
Alleluia! Alleluia! Alleluia!
2. Wolcum Yole!
Wolcum, Wolcum, Wolcum be thou hevenè king,
Wolcum Yole! Wolcum, born in one morning,
Wolcum for whom we sall sing!
Wolcum be ye, Stevene and Jon,
Wolcum, Innocentes every one,
Wolcum, Thomas marter one,
Wolcum be ye, good Newe Yere,
Wolcum, Twelfthe Day both in fere,
Wolcum, seintes lefe and dere,
Wolcum Yole, Wolcum Yole, Wolcum!
Candelmesse, Quene of bliss,
Wolcum bothe to more and lesse.
Wolcum, Wolcum, Wolcum be ye that are here,
Wolcum Yole, Wolcum alle and make good cheer,
Wolcum alle another yere, Wolcum Yole, Wolcum!
3. There is no Rose
There is no rose of such vertu as is the rose that bare Jesu.
Alleluia, alleluia.
For in this rose conteinèd was heaven and earth in litel space,
Res miranda, res miranda.
By that rose we may well see there be one God in persons three,
Pares forma, pares forma,
The aungels sungen the shepherds to:
Gloria in excelsis, gloria in excelsis Deo.
Gaudeamus, gaudeamus.
Leave we all this werldly mirth, and follow we this joyful birth.
Transeamus, transeamus, transeamus.
Alleluia, res miranda, pares forma, gaudeamus,
Transeamus, transeamus, transeamus.
4. That yongë childe and Bulalow
That yonge child when it gan weep with song she lulled him asleep:
That was so sweet a melody it passèd alle minstrelsy.
The nightingalë sang also: Her song is hoarse . . and nought thereto:
Whoso attendeth to her song and leaveth the first. . then doth he wrong.
. . .
O my deare hert, young Jesu sweit, Prepare thy creddil in my spreit,
And I sall rock thee to my hert, And never mair from thee depart.
But I sall praise thee evermoir With sanges sweit unto thy gloir;
The knees of my hert sall I bow, And sing that richt Balulalow.
5. As dew in Aprille
I sing of a maiden that is makèles:
King of all kings to her son she ches
He came also stille there his moder was,
As dew in Aprille that falleth on the grass.
He came also stille to his moder's bour,
As dew in Aprille that falleth on the flour.
He came also stille there his moder lay,
As dew in Aprille that falleth on the spray.
Moder and mayden was never none but she:
Well may such a lady Goddes moder be.
6. This little Babe
This little Babe so few days old, is come to rifle Satan's fold;
All hell doth at his presence quake, though he himself for cold do shake;
For in this weak unarmed wise the gates of hell he will surprise.
With tears he fights and wins the field, His naked breast stands for a shield;
His battering shot are babish cries, His arrows looks of weeping eyes,
His martial ensigns Cold and Need, and feeble Flesh his warrior's steed.
His camp is pitched in a stall, His bulwark but a broken wall;
The crib his trench, haystalks his stakes; of shepherds he his muster makes;
And thus, as sure his foe to wound, the angels' trumps alarum sound.
My soul, with Christ join thou in fight; stick to the tents that he hath pight.
Within his crib is surest ward; this little Babe will be thy guard.
If thou wilt foil thy foes with joy, then flit not from this heavenly Boy.
7. Interlude (harp solo)
8. In Freezing Winter Night
Behold, a silly tender babe, in freezing winter night,
In homely manger trembling lies. Alas, a piteous sight!
The inns are full; no man will yield This little pilgrim bed.
But forced he is with silly beasts in crib to shroud his head.
This stable is a Prince's court, this crib his chair of State;
The beasts are parcel of his pomp, the wooden dish his plate.
The persons in that poor attire His royal liveries wear;
The Prince himself is come from heaven; This pomp is prized there.
With joy approach, O Christian wight, Do homage to thy King,
And highly praise his humble pomp, wich he from Heaven doth bring.
9. Spring Carol
Pleasure it is to hear iwis, the Birdes sing,
The deer in the dale, the sheep in the vale, the corn springing.
God's purveyance for sustenance, It is for man, it is for man.
Then we always to give him praise, And thank him than.
10. Deo Gracias
Deo gracias! Deo gracias!
Adam lay ibounden, bounden in a bond;
Four thousand winter thought he not to long.
Deo gracias! Deo gracias!
And all was for an appil, an appil that he tok,
As clerkes finden written in their book.
Deo gracias! Deo gracias!
Ne had the appil take ben, the appil take ben,
Ne hadde never our lady a ben hevene quene.
Blessed be the time that appil take was.
Therefore we moun singen.
Deo gracias! Deo gracias! Deo gracias! Deo gracias!
11. Recessional
Hodie Christus natus est:
hodie Salvator apparuit:
hodie in terra canunt angeli:
laetantur archangeli:
hodie exsultant justi dicentes:
Gloria in excelsis Deo.
Alleluia! Alleluia! Alleluia!
Ele é, para mim, o maior compositor inglês de todos os tempos, e poderia ser chamado de Benjamin Britain. (Trocadilho besta, mas vai ficar!)
Grande parte de suas as obras mais importantes, assim como a Ceremony, parece depender totalmente de sua biografia. Mesmo a parte “michael-jacksoniana” de sua vida é refletida em grandes obras, tanto no aspecto atração/culpa/punição (como nas óperas Morte em Veneza, cuja história todo mundo conhece, e em Peter Grimes, na qual um pescador é julgado pela morte de um jovem aprendiz, em circunstâncias um tanto quanto "venezianas"), quanto no aspecto Britten-como-mentor-de-jovens (como em uma de suas obras mais conhecidas, o Guia de Orquestra para Jovens, construído sobre um tema de Purcell, onde ele apresenta cada um dos naipes da orquestra, e depois junta todos numa grande fuga final):
Seu pacifismo, também, é evidente no War Requiem, onde o texto tradicional é intercalado com poemas facifistas de Wilfred Owen, morto em combate durante a Primeira Guerra Mundial. Essa obra estreou na reconsagração da catedral de Coventry, destruída num bombardeio em 1940, e é dedicada a alguns amigos do próprio Britten, entre eles os já então falecidos Roger Burney e Michael Halliday, mortos durante a Segunda Guerra:
Esse amálgama de referências pessoais e externas é uma constante em sua obra e, pelo menos para mim, é praticamente impossível escutar qualquer uma delas sem pensar na personalidade do próprio compositor. Como costuma acontecer com muitos outros grandes compositores (Chopin me vem logo à mente), acho impossível ouvir apenas sua música; eu sempre sinto que estou ouvindo o músico, o próprio Britten. É o contrário (novamente: na minha opinião) da "arte pela arte".
Para uma outra interpretação (muito mais profunda, obviamente) do compositor-como-personalidade, ouça o Cantus in memoriam Benjamin Britten, do Arvo Pärt, onde me parece evidente essa mistura de obsessão/angústia/redenção - uma elegia não só à morte, mas também à vida do compositor. Aliás, não apenas ouça! Veja o vídeo, onde os últimos segundos são uma das mais lindas demonstrações de que a música só acaba quando ela termina (ainda bem que ninguém tossiu na platéia!!!)!
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