sexta-feira, 28 de junho de 2013

Da igreja para o cabaré!

Para aliviar a seriedade da postagem anterior, vamos tirar a mitra, colocar o "grand chapeau Greenaway", e falar de uma música mais divertida!



(Um dos desenhos de Kate Greenaway)



La Diva de L'Empire


Sous le grand chapeau Greenaway,
Mettant l'éclat d'un sourire,
D'un rire charmant et frais
De baby étonné qui soupire,
Little girl aux yeux veloutés,
C'est la Diva de "L'Empire",
C'est la rein'dont s'épren'nt
Les gentlemen et tous les dandys
De Piccadilly

Dan uns seul "yes" elle me tant de doucer
Que tous les snobs en gilet à coeur
L'accueillant de hourras frénétiques,
Sur la scène lancent des gerbes de fleurs,
Sans remarquer le rire narquois
De son joli minois.

Sous le grand chapeau Greeaway etc...

Elle danse presque automatiquemente,
Et soulève, aoh! très pioudiquement,
Ses jolis dessous de franfreluches
De ses jambres montrat le trétillement.
D'est à la fois très inocent
Et très excitant.

Sous le grand chapeaus Greeaway etc...

E a música de Erik Satie para o poema de Dominique Bonnaud e Numa Blès:



Começo por Satie por dois motivos: ele é geralmente conhecidos por suas 3 Gymnopedies:



Romântico, não é?, ainda mais acompanhadas por paisagens também românticas! Mas Satie era totalmente iconoclasta e irônico, meio "não tô nem aí para o que pensam sobre minha música", e se ele se preocupasse com o destino de suas peças, acho que ficaria horrorizado em saber que ele é visto atualmente como "romântico", pois um de seus grandes objetivos, por incrível que pareça, era justamente acabar com a música romântica (para a qual, por falar nisso, ele não tinha o menor talento).

Hoje é difícil perceber, depois de ouvirmos as Gymnopedies milhares de vezes, o quanto elas são estranhas para os padrões da época. Sem querer ser muito técnico: a primeira delas fica por mais de uma página repetindo apenas dois acordes, e é, harmonicamente falando, de uma pobreza franciscana (sem conotação negativa, OK?), pois o que Satie queria mesmo era jogar no lixo toda a complexidade rítmica e harmônica do Romantismo.

Nada se parece menos com a "Gymnopedie nº 1" que outra obra terminada no mesmo ano, a Sinfonia nº 1, em Ré maior, do Mahler:

(só o 4º movimento, aqui)

Outra "prova" de que Satie não tinha respeito algum pela tradição são suas peças Embryons desséchés - cujo nome não deixa dúvidas sobre seu intuito - nas quais ele tira sarro da música clássica, como na peça nº 3, "Podophthalmia" (nome científico de uma das ordens dos crustáceos, que engloba camarão, caranguejo, lagosta...), com sua bagunça estilística e seu final "beethoveniano-macarrônico":


Segundo motivo para eu ter citado Satie: ele foi como um "tio" para toda uma geração de compositores ativos nas primeiras décadas do século XX, em Paris, que também sucumbiram (também sem conotação negativa) a um estilo musical mais leve, mais descompromissado, mais das ruas que das salas de concerto, como que tentando recuperar a Belle Époque, interrompida pela Primeira Gerra Mundial. Esse novo estilo, mais leve, foi também uma reação à então nova música germânica, com seus radicais experimentos em atonalismo e serialismo; a Debussy, àquela época considerado como "o último romântico"; e a Wagner, com seu estilo nebuloso, denso e soturno, continuado por Mahler e Strauss. Esses compositores sofreram, além do mais, uma grande influência do jazz e de outros ritmos americanos (não apenas norte-americanos) levados para a Europa pelos soldados (basta conferir a canção acima - La Diva... - que é um tipo de rag-time.

Até Debussy acaba aderindo de passagem à moda, como no "Golliwogg's Cakewalk" (cakewalk é também um ritmo de jazz da época), da suíte Children's Corner. Aliás, Debussy aproveita, na seção mais lenta da peça, para fazer gozação com Wagner, citando a abertura de sua ópera Tristão e Isolda:


Ninguém em Paris escapa desse estilo, incluindo Stravinsky, a esponja que absorvia tudo, como em seu Tango para piano:


Ou Darius Milhaud, que leva para Paris sua experiência com a música brasileira, após passar dois anos no Rio de Janeiro como secretário de Paul Claudel, embaixador da França no Brasil. Esse é o terceiro movimento de Scaramouche, "Brasileira", uma das muitas obras de Milhaud influenciadas pelo Brasil, e que ninguém jamais ouve nem apresenta por aqui, infelizmente...


Milhaud, junto com 5 outros, fazia parte de um grupo chamado Les Six (dããã...), do qual não vou falar agora, pois  o clima de cabaré era muito mais disseminado e eu não quero dar a impressão de que esse grupo dominava o panorama. De qualquer maneira, um de seus membros era o François Poulenc, que tinha mais talento que todos os outros, na minha opinião, e cuja música apresenta as mesmas características de cabaré, apesar de sua música ser estilisticamente mais variada. Mas, de qualquer maneira, o cabaré está muitas vezes presente, como no terceiro movimento de sua Sonata para Flauta e Piano, onde quase conseguimos enxergar as coquettes coqueteando:


Assim como Satie, Poulenc também era capaz de se equilibrar, quando queria, sobre a fronteira entre a música clássica e a popular, e isso fica ainda mais claro quando sua música é interpretada por um cantor popular (desculpe-me Jessye Norman, mas prefiro esta versão aqui!):

"Les Chemins D'Amour" (de Jean Anouilh)


Ninguém, naquela época, escapa do cabaré (a não ser aqueles que querem escapar, claro)! Até compositores longe de Paris são "contaminados" pelo cabaré e pelo jazz, como Shostakovich na Rússia pós-revolução, em sua Suite for Jazz Orchestra nº 1, com seus movimentos Valsa, Polca, e Foxtrot:


A ária "Alabama Song", da ópera (ou, para ser mais exato, SingspielAscenção e Queda da Cidade de Mahagonny (1927), é de outro compositor da mesma época, também longe de Paris, que não só habitava a fronteira clássico-popular, como também tinha "dupla cidadania", transitando tranquilamente de-lá-pra-cá e de-cá-pra-lá quando lhe dava na venêta: Kurt Weill. Esta é uma gravação com a cantora original, Lotte Lenya, para quem Weill compunha quase toda sua música, mas existem versões para todos os gostos, desde cantoras (e cantores) de ópera, passando por Ella Fitzgerald e The Doors, até chegar a Marylin Manson (é verdade, pode procurar no YouTube!):


Ou que tal o tcheco Erwin Schulhof, cuja música é toda jazzística? Os seus 5 Études de Jazz também mostram claramente a influência parisiense, inclusive no título francês. A quem tiver curiosidade, aconselho ouvir todos os 5 Estudos (abaixo), e depois ouvir Kitten on the Keys, de Zez Confrey, (mais abaixo), que serviu como ponto de partida para a última peça desse ciclo do Schulhof:




Para concluir, antes que este post vire um livro: como eu já disse, Paris não vivia só de jazz, e não é surpresa que o Fandango (esse foi o nome que o compositor inicialmente deu a esta obra), uma das músicas mais populares de todos os tempos, seja desse período, mais precisamente de 1928:




Então? Ainda tem alguém achando que música clássica, principalmente a do século XX, é sempre chata?

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