quinta-feira, 6 de junho de 2013

Ercole su’l Termodonte





Assisti há algum tempo a esta ópera de Vivaldi (em DVD - quem me dera tivesse sido ao vivo), numa montagem pelo Il Complesso Barocco, regido por Alan Curtis. Uma ária linda seguida de outra ária linda, intercalada com alguns duetos lindos, mais algumas árias lindas seguidas de algumas árias mais-ou-menos, tudo vivaldiano até o osso. Para quem gosta de Vivaldi - quase todo mundo - é um prato cheio!

Como sói - adoro esse verbo! - acontecer nas óperas dessa época (Barroco), a ação (?) é meio estática (!): eu canto, tu cantas, nós cantamos juntos; depois tu cantas, outro tu canta, e vós cantais juntos; depois ele canta, ela canta, e daí eles(adivinhe?) - cantam juntos... Bem variado, não? E eu fiz questão de repetir a sequência três vezes porque a ópera séria barroca também não costuma se contentar com um só casal de protagonistas: pra que economizar e colocar em cena um só casal de cantores principais se, pelo triplo do preço, eu posso contratar mais dois casais?

O libreto é baseado (baseado no sentido de "fumaram unzinho e depois foram escrever o libreto" - o que não é nenhuma novidade, em se tratando de ópera) em um dos Trabalhos de Hércules (jogue no Google e descubra qual!). Meu conselho: se for assistir à esta ópera, decore o libreto antes (não dá muito trabalho, pois deve se resumir a 2 ou 3 páginas, com espaço dois), ou leia a legenda inicial de cada um dos números (caso não domine o italiano) e depois feche os olhos para ouvir a música, que é linda!


ABRE PARÊNTESES (

Por falar nisso, números é o termo utilizado para cada um dos trechos de uma ópera (ária, duetos, etc); ou seja, para cada um dos "movimentos" de uma ópera (ou oratório, ou cantata).


) FECHA PARÊNTESES


Votando ao Hércules: fechar os olhos pode ser a solução para se ouvir muitas óperas barrocas mas, neste caso específico, talvez você queira manter os olhos abertos, pois o diretor apostou MUITAS fichas no cantor que faz o papel de Hércules, Zachary Stains. E, quer saber?, ele canta muito bem! Depois de um tempo você acaba até se esquecendo que seu figurino se resume a uma pele de leão jogada sobre os ombros (que serve - a pele, não os ombros - como um lugar para ele pôr as mãos, de vez em quando, pois não há um mísero bolsinho disponível por perto). Mas ele não se constrange jamais, e não se envergonha em momento algum por querer se fazer passar por Hércules (eu também não me envergonharia, se fosse parecido com ele...).

Mas, minto... Acho que ele se constrange, sim, com a "roupa nova do rei" que está usando. Pelo menos no início, seu desconforto é audível (apesar de não ser visível), mas depois ele acaba expondo, além do corpo, a competência vocal!



Obviamente esse foi o grande (sem trocadilho, please) chamariz da montagem, que é muito modesta em termos de:

– palco, que é pequeno;

– tamanho da plateia, que parece ter no máximo 8 pessoas;

– cenário, que é enfadonho e desnecessariamente fálico. Para que colocar enormes pênis no cenário se todo mundo vai olhar só para o do cantor? Tá certo que o diretor John Pascoe copiou um famoso monumento fálico em ruínas da ilha de Delos, mas supõe-se que a ópera se passe em Termodonte (Rio Terme, na Turquia), então essa desculpa não vale.



Único senão realmente incomodativo a respeito dos cantores (homens), é o segundo papel principal masculino, Teseu, cantado pelo contratenor Randall Scotting. Os papéis hoje cantados por contratenores foram originalmente escritos para castrati, e são papéis masculinos, o que soa muito estranho para nós, modernos: imagine o Júlio César, imperador de Roma, general de exército, senhor de metade do universo habitado, cantando com a voz parecida com a da Tetê Espíndola, como na ópera Giulio Cesare do Handel); o efeito, para nossos ouvidos do século XXI, é um tanto quanto artificial; parece que os ouvidos estão fora de sincronia com os olhos: o Tarzan abre a boca, mas a voz é da Jane.



E o problema com o Randall Scotting é esse mesmo: além de você estar olhando o Tarzan e ouvindo a Jane, o próprio Tarzan parece estar pensando que é a Jane, o que só aumenta a confusão... “Estou vendo o Tarzan, porém ouvindo a Jane, e o Tarzan é delicado como a Jane, mas tem o tamanho do Tarzan, e está de saia como a Jane, porém tem as pernas do Tarzan”. Depois de 15 minutos de confusão seu cérebro desiste de tentar entender o que está acontecendo e se desliga a cada vez que Tarzan/Jane aparece no palco. Tente religá-lo, pois, no decorrer da ópera, o cantor acaba se convencendo de que ele é o Tarzan/Teseu, e você acaba descobrindo que ele também canta muito bem!


Na verdade os cantores são melhores que as cantoras, melhores principalmente que as sopranos. Após um início problemático, os dois cantores principais vão melhorando conforme a ópera se desenrola. Já as sopranos, sinto informar, deixam bastante a desejar. As vozes, além de duras, pecam por tentarem ser expressivas, e acabam virando o balde: é tanta tentativa de expressão que, depois da segunda ária de cada uma das sopranos, você começa a achar que elas estão encalhadas... Sutileza na interpretação: zero! Já a mezzo-soprano Mary-Ellen Nesi (Antíope) é outra história! Voz linda, timbre lindo, expressiva.

Agora, uma palhinha:



E a ópera inteira, para quem quiser se atreVER:



Apesar dos pesares, no cômputo geral, nota 8! Afinal, quantas óperas do Vivaldi você já viu? Para mim, qualquer chance de se ver algo diferente já vale pelo menos uma nota 5, ainda mais numa montagem que, apesar de não ser excepcional, é muito melhor que muita Tosca tosca que se vê por aí. Se conseguir encontrar o DVD, assista! Mas deixo um aviso aos puristas de plantão: a ópera foi descoberta recentemente, numa cópia incompleta. A versão apresenta é uma reconstrução (por Alessandro Ciccolini), e nem toda a música é do próprio Vivaldi.


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